SóProvas


ID
3956617
Banca
Itame
Órgão
Prefeitura de Edéia - GO
Ano
2020
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Leia o texto para responder à questão 

TABACARIA
Fernando Pessoa
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é (E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa,
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim. Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo não estão nesta hora génios-para-si-mesmo sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas –
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
[...]

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
[...]

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.
(O dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da Tabacaria sorriu.
(Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Atica, 1944-252)


Nos versos: “Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou? “/ “Ser o que penso?” /Mas penso ser tanta coisa!”, o emprego insistente do ponto de interrogação e do ponto de exclamação criam um efeito de sentido. Nesse contexto, esses pontos foram usados para

Alternativas
Comentários
  • ✅ Gabarito: A

    ✓ “Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou? “/ “Ser o que penso?” /Mas penso ser tanta coisa!

    ➥ O eu-lírico se questiona sobre várias coisas (interrogações "?") e também ressalta um valor subjetivo/pessoal (através do uso de exclamações "!").

    ➥ FORÇA, GUERREIROS(AS)!!

  • podia ser qualquer uma alternativa
  • Eu vejo subjetividade nas alternativas isso sim!

  • Faltam adjetivos para descrever tamanha subjetividade.

  • Em geral, quando há essa sinalização, existe uma tentativa de interação com o leitor. Mas, só que não.

  • Que banca mais "infame"!

  • Questão bem subjetiva, não?

    Então vou marcar aquela que EU mais gostei, só para não sair dessa levada de subjetividade!

  • O relativismo no texto dependente da perspectiva subjetiva do pragmatismo possível de ser aplicado. daí nota-se o caráter subjetivo.
  • Pessoal, eu posso até estar errado, mas numa discussão, por exemplo, quando o emissor faz uma pergunta de ordem direta, isto expressa o sentimento dele.

    1) Quem você pensa que eu sou? - raiva;

    2) Será que as coisas devem ser assim mesmo? - expectativa, ansiedade;

    3) Que isso, meu irmão? Surpresa, admiração

    Por este motivo, acho a alternativa (D) a mais correta.

    Erros, por favor, me corrijam

    INSTAGRAN

    @simplificandoquestoescombizus (Jefferson Lima)

  • Isso é um absurdo.

    Gostaria que o examinador explicasse o que seria exatamente "enfatizar a subjetividade do eu lírico" e o que isso tem a ver com o trecho. Aposto que faria qualquer especialista em Fernando Pessoa se contorcer de constrangimento.