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ID
4010125
Banca
FEPESE
Órgão
ABEPRO
Ano
2019
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Carlos Drummond de Andrade,
Itabira e a Mineração

Em julho de 2014 o acaso me levou a Itabira, onde eu nunca tinha estado. A viagem teve efeitos inesperados, que desembocam neste livro: na cidade natal de Carlos Drummond de Andrade as marcas do passado, assim como sinais contemporâneos gritantes, pareciam estar chamando, todos juntos, para uma releitura da obra do poeta. A estranha singularidade do lugar incitava a ir mais fundo na relação do autor de “A máquina do mundo” com as circunstâncias que envolvem a “estrada de Minas, pedregosa”, a geografia física e humana, a história da mineração do ferro.

Nascido em 1902, Drummond viveu pouco tempo em Itabira. Mas os ecos da cidade retornam em sua obra inteira, e permanecem nela qual uma inscrição latejante, sem correspondente cronológico contabilizável – como a tal “fotografia na parede”, que dói, ou como um sino repercutindo traumas e avivando o vivido. José Maria Cançado, seu primeiro biógrafo, diz, a propósito, que ali o “mundo não se assemelha nem à natureza nem à cultura, mas a uma terceira coisa entre os dois, uma espécie de grande alucinação, uma monstruosidade geológica, uma dissonância planetária, com sua quantidade astronômica de minério”. A imagem não é despropositada, por mais que possa parecer. Chegar a esse lugar é sentir, de fato, o impacto da geologia e da história, acopladas. Algo de alucinado se passou e se passa naquele sítio, implicando uma torção desmedida entre a paisagem e a máquina mineradora, com quantidades monstruosas de ferro envolvidas. Há no ar a sensação de que um crime não nomeado, ligado à fatalidade de um “destino mineral”, foi cometido a céu aberto.

O grande buraco geral que a mineração cavou no território de Minas, multiplicado por outras tantas Itabiras e Itabiritos, e que em Belo Horizonte fez da serra do Curral uma paisagem de fachada que esconde uma ruína mineral, está exposto em Itabira de maneira exemplar e obscena, de tão real e tão próximo. Em outras palavras, se o horizonte de Belo Horizonte é sustentado hoje por uma espécie de telão montanhoso, mera película residual preservada por conveniência – afinal, é dele que a capital do estado extrai seu nome –, em Itabira a exploração mineradora sentiu-se à vontade para abolir a serra e anular o horizonte sem maior necessidade de manter as aparências.

Impossível não associar tal visão à catástrofe de Mariana e do rio Doce, desencadeada em 5 de novembro de 2015, desvelando uma nova dimensão desse todo. Em Mariana, a derrama dos rejeitos, empilhados como um castelo de cartas em barragens a montante, apoiando-se a si mesmas sem outros critérios a não ser o da acumulação sem freios, pela empresa Samarco, braço da atual Vale, cobrou seu tributo às comunidades e a todos os reinos da natureza em vidas e em destruição, no distrito de Bento Rodrigues e em tudo que se estende pelo rio Doce até o mar.

Associar os acontecimentos de Itabira e de Mariana não significa equipará-los – um é efeito do lento desenrolar de uma exploração que opera em surdina ao longo de décadas, de modo crônico, localizado e praticamente invisível na cena pública nacional; outro eclode súbito e estrondoso, esparramado no espaço e reconhecido imediatamente como uma das maiores hecatombes socioambientais do país, desmascarando a pulsão destrutiva da sanha extrativa e acumuladora. Embora diferentes, o acontecimento catastrófico de Mariana, com tudo que tem de fragoroso e letal, pode ser visto como o raio que ilumina o que há de silencioso e invisível na catástrofe de Itabira.

WISNIK, José Miguel. Disponível em: <http://www.viladeutopia. com.br/o-poeta-e-a-pedra>. Acesso em 18 de fevereiro de 2019. [Adaptado].

Obs.: Wisnik é autor do livro “Maquinação do mundo: Drummond e a mineração”. 

Identifique abaixo as afirmativas verdadeiras ( V ) e as falsas ( F ), em relação ao primeiro parágrafo do texto 4.


( ) Em “eu nunca tinha estado”, a forma verbal pode ser substituída por “estivera” sem alterar seu significado temporal.

( ) Em “A viagem teve efeitos inesperados”, o verbo tem sentido existencial.

( ) No primeiro parágrafo, as expressões “(d)o poeta” e “(d)o autor de ‘A máquina do mundo’” fazem referência a Carlos Drummond de Andrade.

( ) Em “onde eu nunca tinha estado”, “que desembocam neste livro” e “que envolvem […]”, os vocábulos sublinhados funcionam como pronomes relativos que substituem termo da respectiva oração anterior e estabelecem relação entre orações.

( ) A expressão “todos juntos” é uma retomada de “sinais contemporâneos gritantes”.


Assinale a alternativa que indica a sequência correta, de cima para baixo.

Alternativas
Comentários
  • GABARITO - C

    ( ) Em “eu nunca tinha estado”, a forma verbal pode ser substituída por “estivera” sem alterar seu significado temporal.

    tinha estado - Pretérito mais-que-perfeito composto do indicativo.

    Estivera - Pretérito mais-que- perfeito

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    (❌  ) Em “A viagem teve efeitos inesperados”, o verbo tem sentido existencial.

    Em alguns casos ( Linguagem informal ) usamos o verbo ter no sentido de existir .

    Nesses casos é válida a substituição pelo verbo haver.

    Aqui ele é usado no sentido de ocorrer.

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    ( ) No primeiro parágrafo, as expressões “(d)o poeta” e “(d)o autor de ‘A máquina do mundo’” fazem referência a Carlos Drummond de Andrade.

    uma releitura da obra do poeta. A estranha singularidade do lugar incitava a ir mais fundo na relação do autor de “A máquina do mundo”

    Qual poeta ?

    Qual autor?

    Carlos Drummond de Andrade.

    -----------------------------------

    ( ) Em “onde eu nunca tinha estado”, “que desembocam neste livro” e “que envolvem […]”, os vocábulos sublinhados funcionam como pronomes relativos que substituem termo da respectiva oração anterior e estabelecem relação entre orações.

    o acaso me levou a Itabira, onde ( Na qual ) eu nunca tinha estado. A viagem teve efeitos inesperados, que (os quais ) desembocam neste livro

    as circunstâncias ( as quais ) que envolvem a “estrada de Minas, pedregosa”, a geografia física e humana, a história da mineração do ferro.

    Identificamos pronomes relativos quando trocamos os termos por "qual ( ais) " . eles introduzem orações subordinadas adjetivas.

    Com vírgulas = restritivas

    Sem vírgulas = explicativas

    --------------------------------------------------------

    ( ) A expressão “todos juntos” é uma retomada de “sinais contemporâneos gritantes”.

    as marcas do passado, assim como sinais contemporâneos gritantes TODOS JUNTOS

  • GAB [C].

    #NÃOÀREFORMAADMINISTRATIVA.

    #ESTABILIDADESIM.

    #FORATRAINEE.

  • Bizu da conjunção: se puder trocar por "isso" será integrante, se puder trocar pelo "o qual" será relativo.

    ISSO INTEGRA

    O QUAL RELATA.