SóProvas


ID
5356411
Banca
PS Concursos
Órgão
Prefeitura de Turvo - SC
Ano
2021
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

    Querido Diário,

    

    No tempo do Coelho Neto, não tinha churrascaria, tinha? Claro que não.

   

   Não tinha nem churrascaria nem dia das mães e, portanto, ele não entendia nada de padecer no paraíso, nessa época era moleza. E este ano, para variar, está prometendo, vai ser mais um dia das mães inesquecível. Não quanto ao local das homenagens, que é churrascaria de novo. Como sempre, houve debates acalorados sobre isto. Todo ano alguém diz que é preciso variar e desta vez não vai ser churrascaria, mas sempre acaba sendo, eu nem presto atenção mais na discussão. Minha última intervenção foi há vários anos, em legítima defesa, para deixar claro que considero insultuoso me levarem para comer peixe cru com arroz papa sem sal e que, nesse caso, prefiro a sopa dos pobres do padre Celso. Não me levando para comer peixe cru, tudo bem. Eu como qualquer coisa, pizza, pastel, hambúrguer, rabada, mocotó e aquelas comidas baianas molengas e amarelosas, mas peixe cru não, tudo tem seu limite, tem que haver respeito.

    

   Mas, como eu já te contei, haverá uma grande novidade, que é a presença de Vó Eulália, que chegou de Alagoas na quarta. Mandaram buscá-la porque ela está fazendo noventa anos, embora pareça muito menos. Eu tenho um medozinho, mas gosto dela. O mesmo, com certeza, não pode ser dito de todo o resto da família. No aeroporto mesmo, aquele lourinho, filho do outro casamento da Selminha, um chatinho catarrento e esganiçado, cujo nome eu sempre esqueço, só acho que é Fred, mas sei que não é, esse, vamos dizer, Fred, começou a encher o saco e Vó Eulália deu-lhe um puxão de orelha caprichado, que ele chegou a ficar roxo. “Se é para chorar, pelo menos chore com razão”, disse ela, com aquele sorrisinho de cangaceira. A Selminha não gostou, mas eu, claro, adorei e Vó Eulália não quer nem saber se alguém não gostou. E o Fred merece. Meu Deus, o nome dele não é Fred. Ted? Eu só lembro que tem um E. Ernesto?

    

   Aliás, grande bênção, o celular, pelo menos na churrascaria do dia das mães, porque agora a juventude fica em silêncio, enquanto manda mensagens para lá e para cá, ou seja, o tempo todo. Desconfio que alguns deles ainda não aprenderam a falar direito e o único órgão deles capaz de comunicação verbal é o polegar, ali teclando kd vc rsrsrs bjs e outras informações cruciais, que eles ficam mostrando uns aos outros, em vez de conversar. Me lembra cachorros cheirando uns aos outros, não sei por quê. O Marcelo, o gordinho de cabelo cacheado, também filho da Selminha, só que com o Haroldo, com certeza não sabe conversar, porque o universo dele são os joguinhos dos computadores e, quando alguém fala com ele, ele responde bzzz-strrp-vjjj-tueen, com os olhos esgazeados. E tem as fotos também, para as quais eles só olham uma vez e nunca mais, antes de distribuí-las às redes sociais do mundo todo, a gente com cara de besta e deficiente mental em todas elas.

   

   De resto, não há razão para imaginar grandes surpresas. O meu novo genro por parte da Bia – que já não é mais tão novo assim, já vai fazer cinco anos que estão juntos, embora até hoje eu não saiba por que e o que foi que eles viram um no outro -, o Gilberto, o nosso Betão, vai encher a cara de chope, vai ficar com os olhos marejados e vai fazer um discursinho em que vai me chamar de bimãe outra vez. Bi, como em bicampeonato. Bimãe porque eu sou avó, mãe duas vezes, sacou? Ele é um gênio. Espero que não fique muito entusiasmado e não chame Vó Eulália de trimãe, porque não vai resultar bem, até porque ninguém sabe tantos palavrões e tem tanta disposição para mostrar isso do que Vó Eulália.

    

  Mas, querido, eu fico falando assim e parece que não gosto da família, que sou uma desnaturada insensível, que não dou valor às coisas mais importantes desta vida. Mas nada pode estar mais longe da verdade. Eu adoro a família, adoro ser mãe e avó, sério mesmo. Esses senões acontecem a todos, de uma forma ou de outra e devemos pôr as mãos para o céu, porque não temos nenhum problema grave, como tantos outros. É só que de vez em quando dá vontade de ter uma folguinha de tanto padecimento paradisíaco. E, sim, bimãe não sou eu. Betão e Vó Eulália sabem quem é.


João Ubaldo Ribeiro

João Ubaldo Ribeiro em muitos de seus escritos relata sua experiência como professor universitário na disciplina de língua portuguesa, ou seja, o autor domina plenamente a gramática de seu idioma. No entanto, por uma questão de estilo e de respeito ao gênero crônica (tão atrelado ao cotidiano) o autor comete propositadamente alguns desvios gramaticais. Assinale a alternativa que descreva adequadamente o desvio apresentado no excerto abaixo:


Me lembra cachorros cheirando uns aos outros, não sei por quê.

      

Alternativas:

Alternativas
Comentários
  • Gabarito: letra E.

    Regra clássica da norma culta. Pronome iniciando oração, só no popular mesmo.

  • Professor Xandão salvando...

    Desculpe-me o empecilho, deixe-me beber uma água...

    Gab E

  • Não começa frase com POA- Pronome Oblíquo Átono

    Gab E

  • Assertiva E

    O correto seria “lembra-me”, pois “me” não pode iniciar uma oração.

  • "Separe por que razão quer passar.

    Afinal, acentuo, separou? Por quê?...

    Os seus porquês são sujeitos, porque juntos serão a resposta." takakura

  • Pra quem tem a assinatura do QC, recomendo a aula de Isabel sobre os porquês, ela é muito boa! Dá pra responder qualquer questão sobre o tema.

  • Gab.E

    Apenas a título de revisão:

    Usamos “por quê” (separado e com acento), com o sentido de “por qual razão” ou “por qual motivo”, no final de frase e, portanto, antes de ponto-final, ponto de exclamação ou de interrogação. Exemplos: Ele não veio à festa no sábado, e eu imagino por quê. Estou feliz e não sei por quê!

    Fonte: https://brasilescola.uol.com.br

  • Não começa frase com POA- Pronome Oblíquo Átono

  • Essa é uma questão que trata de vários assuntos, desde o uso dos porquês, passando pelo uso da vírgula e pela colocação pronominal. Assim, cabe analisar todas as opções e ver em qual delas está a afirmação correta.

    Na letra A, já iniciamos com um erro, já que por quê escrito junto e com acento serve justamente ao propósito que ele exerce no texto, que é o de terminar períodos (ou seja, ele sempre aparece antes de um ponto, seja final, de interrogação, de exclamação ou reticências). Para iniciar perguntar, aliás, não se usa o porquê escrito junto e com acento. Este é usado quando o porquê for um substantivo. Para iniciar questionamentos, usa-se por que, escrito separado e sem acento.

    Também a letra B traz informação errônea sobre os porquês, já que foi visto no parágrafo anterior que por quê escrito separado e sem acento está empregado corretamente na frase. Inclusive, não há nenhum porquê específico que a norma diz que tem de ser empregado depois de ponto final.

    A alternativa C não está correta porque, embora facultativo, é recomendável, em um período, marcar com vírgula o ponto que antecede a apresentação de um novo sujeito. Mesmo não explícito, a conjugação na primeira pessoa do singular da forma verbal “sei" acusa que ali há o sujeito “eu" (eu não sei por quê), o que justifica o uso da vírgula depois de “outros".

    No trecho “cachorros cheirando uns aos outros", a vírgula estaria errada, segundo a norma, já que não se pode separar o sujeito do verbo com pontuação nenhuma. Assim, também a opção D está equivocada.

    Por fim, temos a alternativa correta na letra E, já que, segundo a norma, não se deve iniciar períodos com próclise (situação em que o pronome oblíquo vem antes do verbo), mas sim com ênclise (quando o pronome vem depois do verbo. Assim, o correto, quanto à norma culta, de fato, seria usar a forma “lembra-me".

     Gabarito do Professor: Letra E.

  • Um recado aos que escrevem Te amo, o correto é Amo-te. Não errem agora!

  • A “Por quê” deveria ser junto por não tratar-se de uma pergunta. Não deveria alterar, "por quê" no final de frase é separado e com acento mesmo.

    B

    “Por quê” deveria ser sem acento, pois não está após um ponto final. Não deveria alterar, "por quê" no final de frase é separado e com acento mesmo.

    C

    Não deveria conter vírgula após a palavra “outros”. R> Vírgula facultativa.

    D

    Deveria aparecer uma vírgula após a palavra “cachorros” R> Separaria complemento do verbo do verbo (e do sujeito), não pode. Me lembra cachorros cheirando uns aos outros, não sei por quê.

    E

    O correto seria “lembra-me”, pois “me” não pode iniciar uma oração. R> CERTA