SóProvas


ID
5371006
Banca
CEV-URCA
Órgão
Prefeitura de Crato - CE
Ano
2021
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

A MORTE DOS GIRASSÓIS


    "Anoitecia, eu estava no jardim. Passou um vizinho e ficou me olhando, pálido demais até para o anoitecer. Tanto que cheguei a me virar para trás, quem sabe alguma coisa além de mim no jardim. Mas havia apenas os brincos-de princesa, a enredadeira subindo tenta pelos cordões, rosas cor-de-rosa, gladíolos desgrenhados. Eu disse oi, ele ficou mais pálido. Perguntei que-que foi, e ele enfim suspirou: "Me disseram no Bonfim que você morreu na Quinta-feira."Eu disse ou pensei em dizer ou de tal forma deveria ter dito que foi como se dissesse: "É verdade, morri sim. Isso que você está vendo é uma aparição, voltei porque não consigo me libertar do jardim, vou ficar aqui vagando feito Egum até desabrochar aquela rosa amarela plantada no dia de Oxum. Quando passar por lá no Bonfim diz que sim, que morri mesmo, e já faz tempo, lá por agosto do ano passado. Aproveita e avisa o pessoal que é ótimo aqui do outro lado: enfim um lugar sem baixo-astral."


    Acho que ele foi embora, ainda mais pálido. Ou eu fui, não importa. Mudando de assunto sem mudar propriamente, tenho aprendido muito com o jardim. Os girassóis, por exemplo, que vistos assim de fora parecem flores simples, fáceis, até um pouco brutas. Pois não são. Girassol leva tempo se preparando, cresce devagar enfrentando mil inimigos, formigas vorazes, caracóis do mal, ventos destruidores. Depois de meses, um dia pá! Lá está o botãozinho todo catita, parece que já vai abrir. Mas leva tempo, ele também, se produzindo. Eu cuidava, cuidava e nada. Viajei por quase um mês no verão, quando voltei, a casa tinha sido pintada, muro inclusive, e vários girassóis estavam quebrados. Fiquei uma fera. Gritei com o pintor: "Mas o senhor não sabe que as plantas sentem dor que nem a gente?"O homem ficou me olhando tão pálido quanto aquele vizinho.


    Não, ele não sabe, entendi. E fui cuidar do que restava, que é sempre o que se deve fazer. Porque tem outra coisa: girassol quando abre flor, geralmente despenca. O talo é frágil demais para a própria flor, compreende? Então, como se não suportasse a beleza que ele mesmo engendrou, cai por terra, exausto da própria criação esplêndida. Pois conheço poucas coisas mais esplêndidas, o adjetivo é esse, do que um girassol aberto. Alguns amarrei com cordões em estacas, mas havia um tão quebrado que nem dei muita atenção, parecia não valer a pena. Só o apoiei numa espada-de-são-jorge com jeito, e entreguei a Deus. Pois no dia seguinte, lá estava ele todo meio empinado de novo, tortíssimo, mas dispensando o apoio da espada. Foi crescendo assim precário, feinho, fragilíssimo.


    Quando parecia quase bom, cráu! Veio uma chuva medonha e deitou-se por terra. Pela manhã estava todo enlameado, mas firme. Aí me veio a idéia: cortei-o com cuidado e coloquei-o aos pés do Buda chinês de mãos quebradas que herdei de Vicente Pereira. Estava tão mal que o talo pendia cheio dos ângulos das fraturas, a flor ficava assim meio de cabeça baixa e de costas para o Buda.


    Não havia como endireitá-lo. 


    Na manhã seguinte, juro, ele havia feito um giro completo sobre o próprio eixo e estava com a corola toda aberta, iluminada, voltada exatamente para o sorriso do Buda. Os dois pareciam sorrir um para o outro. Um com o talo torto, outro com as mãos quebradas. Durou pouco, girassol dura pouco, uns três dias. Então peguei e joguei-o pétala por pétala, depois o talo e a corola entre as alamandas da sacada, para que caíssem no canteiro lá embaixo e voltassem a ser pó, húmus misturado à terra, depois não sei ao certo, voltasse à tona fazendo parte de uma rosa, palma-de-santa-rita, lírio ou azaleia, vai saber que tramas armam as raízes lá embaixo no escuro, em segredo. Ah, pede-se não enviar flores. Pois como eu ia dizendo, depois que comecei a cuidar do jardim aprendi tanta coisa, uma delas é que não se deve decretar a morte de um girassol antes do tempo, compreendeu? Algumas pessoas acho que nunca. Mas não é para essas que escrevo. "


(FONTE: https://contobrasileiro.com.br/a-morte-dos-girassois-conto-de-caio-fernando-abreu/)

"Então, como se não suportasse a beleza que ele mesmo engendrou, cai por terra, exausto da própria criação esplêndida". O aposto destacado em negrito pode ser classificado como:

Alternativas
Comentários
  • Gab : A

    No caso em tela temos um aposto explicativo.

  • CUIDADO

    A questão não possui gabarito. A banca comete erro grosseiro.

    Solicita-se classificação do "aposto" destacado em:

    "Então, como se não suportasse a beleza que ele mesmo engendrou, cai por terra, exausto da própria criação esplêndida"

    Não há aposto destacado na construção.

    Importante dar breve conceito de aposto, termo acessório que serve para explicar, esclarecer, desenvolver, detalhar, enumerar, especificar, resumir ou comparar um termo da oração. Em condições normais, pode ser introduzido por preposições ou termos explicativos.

    O aposto explicativo, classificação indicada pela banca, é forma de explicar, esclarecer ou conceituar um termo da oração, como em:

    "Pedro, o melhor aluno da turma, obteve uma boa bolsa de estudos."

    Poder-se-ia pensar em um aposto comparativo, mas novamente é necessário ter atenção à função em relação à estrutura. O aposto liga-se a termo, ampliando seu sentido, não sendo função natural do aposto introduzir circunstância à ação encontrada na oração.

    Dito isso, pode-se perceber que a construção demarcada, encabeçada por conjuncional comparativo, introduz circunstância à ação encontrada em "cai por terra", classificando-se como oração subordinada adverbial comparativa.

    "Então cai por terra como se não suportasse a beleza que ele mesmo engendrou..."

    Há ainda um oração subordinada adjetiva restritiva, "que ele mesmo engendrou", que compõe a passagem destacada.

    Gabarito da banca na alternativa A

    Gabarito correto ausente

  • Questão polêmica.. Irei revisá-la no futuro. Vamos pedir comentário do professor em vídeo!!

  • Vejam, na parte "como se não suportasse a beleza que ele mesmo engendrou", dá o entendimento de algo estar sendo explicado, mas essencialmente pelo "então" antes da frase. Com isso, poderia ser apenas A ou E, porém como não se tem superlativos na E ela fica como única opção...

    "Então, como se não suportasse a beleza que ele mesmo engendrou, cai por terra, exausto da própria criação esplêndida"

  • tinha que ser essa banca fudid@

  • Só acertei porque entrei na cabeça do (incompetente) examinador: o trecho está entre vírgulas, então ele deve ter considerado como aposto explicativo.

    Sempre que se falar em aposto, devemos procurar o termo ao qual ele faz referência. Claramente neste caso não há termo a que o trecho se refere. Trata-se de uma O.S. Adverbial Comparativa.

  • Classificação do Aposto

    De acordo com a relação que estabelece com o termo a que se refere, o aposto pode ser classificado em:

    a) Explicativo:

    Ecologiaciência que investiga as relações dos seres vivos entre si e com o meio em que vivem, adquiriu grande destaque no mundo atual.

    b) Enumerativo:

    A vida humana se compõe de muitas coisas: amor, trabalho, ação.

    c) Resumidor ou Recapitulativo:

    Vida digna, cidadania plenaigualdade de oportunidadestudo isso está na base de um país melhor.

    d) Comparativo:

    Seus olhos, indagadores holofotes, fixaram-se por muito tempo na baía anoitecida.

    e) Distributivo:

    Drummond e Guimarães Rosa são dois grandes escritores, aquele na poesia e este na prosa.

    f) Aposto de Oração:

    Ela correu durante uma hora, sinal de preparo físico.

    ______________________________________________________________ 

    Além desses, há o Aposto Especificativo, que difere dos demais por não ser marcado por sinais de pontuação (vírgula ou dois-pontos). O aposto especificativo individualiza um substantivo de sentido genérico, prendendo-se a ele diretamente ou por meio de uma preposição, sem que haja pausa na entonação da frase:

    Por Exemplo:

    O poeta Manuel Bandeira criou obra de expressão simples e temática profunda. 

    A rua Augusta está muito longe do rio São Francisco.

     

  • gente esse texto é tão lindo! mas a questão é muito difícil... Enfim, não afasta a beleza do texto.

  • O aposto explicativo serve para explicar ou esclarecer um termo da oração. Na frase, aparece destacado por vírgulas, parênteses ou travessões.

    Júlia, a melhor aluna da turma, passou de ano com notas altíssimas.

    D. Alice, a vizinha do terceiro andar, está vendendo seu apartamento.

    Fonte: https://www.normaculta.com.br/aposto/