SóProvas


ID
5623753
Banca
IAN
Órgão
Câmara de Miguel Pereira - RJ
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

OS NAMORADOS DA FILHA

    Quando a filha adolescente anunciou que ia dormir com o namorado, o pai não disse nada. Não a recriminou, não lembrou os rígidos padrões morais de sua antiga juventude. Homem avançado, já esperava que aquilo acontecesse um dia. Só não esperava que acontecesse tão cedo.

     Mas tinha uma exigência, além das clássicas recomendações. A moça podia dormir com o namorado:

     ─ Mas aqui em casa.

     Ela, por sua vez, não protestou. Até ficou contente. Aquilo resultava em inesperada comodidade. Vida amorosa em domicílio, o que mais podia desejar? Perfeito.

     O namorado não se mostrou menos satisfeito. Entre outras razões, porque passaria a partilhar o abundante café da manhã da família. Aliás, seu apetite era espantoso: diante do olhar assombrado e melancólico do dono da casa, devorava toneladas do melhor requeijão, do mais fino presunto, tudo regado a litros de suco de laranja.

     Um dia, o namorado sumiu. Brigamos, disse a filha, mas já estou saindo com outro. O pai pediu que ela trouxesse o rapaz. Veio, e era muito parecido com o anterior: magro, cabeludo, com apetite descomunal.

     Brevemente, o homem descobriria que constância não era uma característica fundamental de sua filha. Os namorados começaram a se suceder em ritmo acelerado. Cada manhã de domingo, era uma nova surpresa: este é o Rodrigo, este é o James, este é o Tato, este é o Cabeça. Lá pelas tantas, ele desistiu de memorizar nomes ou mesmo fisionomias. Se estava na mesa do café da manhã, era namorado. Às vezes, também acontecia ─ ah, essa próstata, essa próstata ─ que ele levantava à noite para ir ao banheiro e cruzava com um dos galãs no corredor. Encontro insólito, mas os cumprimentos eram sempre gentis. Uma noite, acordou, como de costume, e, no corredor, deu de cara com um rapaz que o olhou apavorado. Tranquilizou-o:

     ─ Eu sou o pai da Melissa. Não se preocupe, fique à vontade. Faça de conta que a casa é sua.E foi deitar. Na manhã seguinte, a filha desceu para tomar café. Sozinha.

    ─ E o rapaz? ─ perguntou o pai.

    ─ Que rapaz? ─ disse ela.

    Algo lhe ocorreu, e ele, nervoso, pôs-se de imediato a checar a casa. Faltava o CD player, a máquina fotográfica, a impressora do computador. O namorado não era namorado. Paixão poderia nutrir, mas era pela propriedade alheia.

    Um único consolo restou ao perplexo pai: aquele, pelo menos, não fizera estrago no café da manhã.

(Moacyr Scliar. Crônica extraída da Revista Zero Hora, 26/4/1998)

“Mas tinha uma exigência, além das clássicas recomendações. A moça podia dormir com o namorado:

─ Mas aqui em casa”.

No trecho citado acima, empregou-se dois-pontos para:

Alternativas
Comentários
  • USO DOS DOIS-PONTOS:

    Ligar orações ou termos que tenham natureza de “explicação”: Em essência, o sinal de dois pontos indica que há uma relação entre o que vem antes dele com o que vem depois. Essa relação geralmente é de explicação ou, de forma mais ampla, qualquer sentido que seja um desenvolvimento do que foi dito antes

    • Ex: O dólar estava muito alto: não viajei.
    • Ex: Ele era difícil de convivernunca se casou

    Isolar oração subordinada substantiva apositiva (introduzida por conjunção integrante):

    • Ex: Ela queria apenas uma coisa: que a prova viesse logo. (o aposto também pode vir na forma de uma oração desenvolvida.)
    • Ex: Ela queria apenas uma coisa: passar logo. (o aposto também pode vir na forma de uma oração reduzida.) 

    Introduzir citação: O uso mais clássico do sinal de dois pontos é marcar o discurso direto e inserir uma reprodução fiel, literal, da fala alheia.

    • Ex: Dizia ele: “Estou indo pra Brasília, neste país lugar melhor não há”.

    Introduzir enumeração: O sinal de dois-pontos é utilizado para introduzir apostos distributivos e enumerativos, ou seja, enumerações.

    • Ex: Eu aceito você de volta sob três condições: você vai pedir desculpas, devolver o dinheiro e nunca mais repetir esse comportamento.
    • Ex: Encontrei na festa meus dois melhores amigos de infância: João e Pedro

    GAB C

  • A questão é de pontuação e quer saber por qual motivo empregou-se os dois pontos em “Mas tinha uma exigência, além das clássicas recomendações. A moça podia dormir com o namorado: ─ Mas aqui em casa”. Vejamos: 

     .

    De acordo com a Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha & Lindley Cintra:

      .

    Os DOIS PONTOS servem para marcar, na escrita, uma sensível suspensão da voz na melodia de uma frase não concluída. Empregam-se, pois, para anunciar:

      .

    1º) uma citação (geralmente depois de verbo ou expressão que signifique dizer, responder, perguntar e sinônimos):

    Clemente voltou para dizer:

    Não enxerguei ninguém, camarada. Era bicho.

     

    2º) uma enumeração explicativa:

    À sua volta, tudo lhe parece chorar: as árvores, o capim, os insetos.

     

    3º) um esclarecimento, uma síntese ou consequência do que foi enunciado:

    Não era desgosto: era cansaço e vergonha.

     .

    A) indicar um esclarecimento; 

    Errado. Não houve a indicação de um esclarecimento, mas, sim, a introdução de uma fala.

     .

    B) indicar pausa; 

    Errado. Não houve uma pausa, mas, sim, a introdução de uma fala.

     .

    C) anunciar a fala do personagem; 

    Certo. Houve, após os dois pontos, o anúncio da fala do personagem.

     .

    D) anunciar uma enumeração. 

    Errado. Não houve o anúncio de uma enumeração, mas, sim, a introdução de uma fala.

     .

    Referência: CUNHA, Celso. CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo, 5.ª edição, Rio de Janeiro: Lexikon, 2008.

     .

    Gabarito: Letra C 

  • Assertiva C

     empregou-se dois-pontos para: anunciar a fala do personagem; 

  • Logo depois do : temos o sinal indicativo de fala que é o travessão, fica fácil matar a questão