SóProvas


ID
784840
Banca
FCC
Órgão
BACEN
Ano
2006
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                   O segredo da acumulação primitiva neoliberal  

          Numa coluna publicada na Folha de São Paulo, o jornalista Elio Gaspari evocava o drama recente de um navio de crianças escravas errando ao largo da costa do Benin. Ao ler o texto – que era inspirado , o navio tornava-se uma metáfora de toda a África subsaariana: ilha à deriva, mistura de leprosário com campo de extermínio e reserva de mão-de-obra para migrações desesperadas.

          Elio Gaspari propunha um termo para designar esse povo móvel e desesperado: “os cidadãos descartáveis”. “Massas de homens e mulheres são arrancados de seus meios de subsistência e jogados no mercado de trabalho como proletários livres, desprotegidos e sem direitos.” São palavras de Marx, quando ele descreve a “acumulação primitiva”, ou seja, o processo que, no século XVI, criou as condições necessárias ao surgimento do capitalismo.

          Para que ganhássemos nosso mundo moderno, foi necessário, por exemplo, que os servos feudais fossem, à força, expropriados do pedacinho de terra que podiam cultivar para sustentar-se. Massas inteiras se encontraram, assim, paradoxalmente livres da servidão, mas obrigadas a vender seu trabalho para sobreviver

          Quatro ou cinco séculos mais tarde, essa violência não deveria ter acabado? Ao que parece, o século XX pediu uma espécie de segunda rodada, um ajuste: a criação de sujeitos descartáveis globais para um capitalismo enfim global.

          Simples continuação ou repetição? Talvez haja uma diferença – pequena, mas substancial – entre as massas do século XVI e os migrantes da globalização: as primeiras foram arrancadas de seus meios de subsistência, os segundos são expropriados de seu lugar pela violência da fome, por exemplo, mas quase sempre eles recebem em troca um devaneio. O protótipo poderia ser o prospecto que, um século atrás, seduzia os emigrantes europeus: sonhos de posse, de bem-estar e de ascensão social.

          As condições para que o capitalismo invente sua versão neoliberal são subjetivas. A expropriação que torna essa passagem possível é psicológica: necessita que sejamos arrancados nem tanto de nossos meios de subsistência, mas de nossa comunidade restrita, familiar e social, para sermos lançados numa procura infinita de status (e, hipoteticamente, de bem-estar) definido pelo acesso a bens e serviços. Arrancados de nós mesmos, deveremos querer ardentemente ser algo além do que somos.

          Depois da liberdade de vender nossa força de trabalho, a “acumulação primitiva” do  neoliberalismo nos oferece a liberdade de mudar e subir na vida, ou seja, de cultivar visões, sonhos e devaneios de aventura e sucesso. E, desde o prospecto do emigrante, a oferta vem se aprimorando. A partir dos anos 60, a televisão forneceu os sonhos para que o campo não só
devesse, mas quisesse, ir para a cidade.

          O requisito para que a máquina neoliberal funcione é mais refinado do que a venda dos mesmos sabonetes ou filmes para todos. Trata-se de alimentar um sonho infinito de perfectibilidade
e, portanto, uma insatisfação radical. Não é pouca coisa: é necessário promover e vender objetos e serviços por eles serem indispensáveis para alcançarmos nossos ideais de status, de bem-estar e de felicidade, mas, ao mesmo tempo, é preciso que toda satisfação conclusiva permaneça impossível.

          Para fomentar o sujeito neoliberal, o que importa não é lhe vender mais uma roupa, uma cortina ou uma lipoaspiração; é alimentar nele sonhos de elegância perfeita, casa perfeita e corpo perfeito. Pois esses sonhos perpetuam o sentimento de nossa inadequação e garantem, assim, que ele seja parte inalterável, definidora, da personalidade contemporânea.

          Melhor deixar como está. No entanto, a coisa não fica bem. Do meu pequeno observatório psicanalítico, parece que o permanente sentimento de inadequação faz do sujeito neoliberal
uma espécie de sonhador descartável, que corre atrás da miragem de sua felicidade como um trem descontrolado, sem condutor, acelerando progressivamente por inércia – até que os
trilhos não agüentem mais.

(Contardo Calligaris, Terra de ninguém. São Paulo: Publifolha, 2002)


Sonhos não faltam; há sonhos dentro de nós e por toda parte, razão pela qual a estratégia neoliberal convoca esses sonhos, atribui a esses sonhos um valor incomensurável, sabendo que nunca realizaremos esses sonhos.


Evitam-se as viciosas repetições dos elementos sublinhados na frase acima substituindo-os, na ordem dada, por:

Alternativas
Comentários
  • alguem sabe pq nao eh convoca-os??? Não vejo nenhum fator de próclise para pr. obliquo aparecer antes do verbo convoca.
  • Fernando,

    seria "convoca-os" (ênclise) se fosse palavra posterior à pontuação, iniciando frase ou no modo imperativo afirmativo.
  • Sonhos não faltam; há sonhos dentro de nós e por toda parte, razão pela qual a estratégia neoliberal convoca esses sonhos, atribui a esses sonhos um valor incomensurável, sabendo que nunca realizaremos esses sonhos.

    há-os:
    ênclise (início de frase sem verbo no futuro), verbo transitivo direto (O.D.);
    convoca-os:
    ênclise (não há palavra atrativa e o verbo não está no futuro), verbo transitivo direto (O.D.);
    atribui-lhes:
    ênlise (início de frase sem verbo no futuro), verbo transitivo indireto (O.I.);
    os realizamos:
    próclise (palavra atrativa antecedendo o verbo NUNCA), verbo transitivo direto (O.D.).


    obs: próclise>mesóclise>ênclise.
  • macetinho singelo para a próclise...

    podemos entender as palavras atrativas utilizando-se do "CAP QUE"

    Conjunção Subordinativa
    Advérbio
    Pronome

    QUE


    Desta forma, sempre que aparecer estes termos antes de um pronome, utiliza-se a próclise obrigatóriamente