Os anônimos
Na história de Branca de Neve, a rainha má consulta o
seu espelho e pergunta se existe no reino uma beleza maior do
que a sua. Os espelhos de castelo, nos contos de fada, são um
pouco como certa imprensa brasileira, muitas vezes dividida
entre as necessidades de bajular o poder e de refletir a realidade.
O espelho tentou mudar de assunto, mas finalmente
respondeu: “Existe”. Seu nome: Branca de Neve.
A rainha má mandou chamar um lenhador e instruiu-o a
levar Branca de Neve para a floresta, matá-la, desfazer-se do
corpo e voltar para ganhar sua recompensa. Mas o lenhador
poupou Branca de Neve. Toda a história depende da compaixão
de um lenhador sobre o qual não se sabe nada. Seu nome e
sua biografia não constam em nenhuma versão do conto. A
rainha má é a rainha má, claramente um arquétipo, e os arquétipos
não precisam de nome. O Príncipe Encantado, que
aparecerá no fim da história, também não precisa. É um símbolo
reincidente, talvez nem a Branca de Neve se dê ao
trabalho de descobrir seu nome. Mas o personagem principal da
história, sem o qual a história não existiria e os outros personagens
não se tornariam famosos, não é símbolo de nada.
Ele só entra na trama para fazer uma escolha, mas toda a
narrativa fica em suspenso até que ele faça a escolha certa,
pois se fizer a errada não tem história. O lenhador compadecido
representa dois segundos de livre-arbítrio que podem desregular
o mundo dos deuses e dos heróis. Por isso é desprezado
como qualquer intruso e nem aparece nos créditos.
Muitas histórias mostram como são os figurantes anô-
nimos que fazem a história, ou como, no fim, é a boa consciência
que move o mundo. Mas uma das pessoas do grupo em
que conversávamos sobre esses anônimos discordou dessa
tese, e disse que a entrada do lenhador simbolizava um
problema da humanidade, que é a dificuldade de conseguir
empregados de confiança, que façam o que lhes for pedido.
(Adaptado de Luiz Fernando Verissimo, Banquete com os deuses)
É preciso corrigir a má estruturação da seguinte frase: