SóProvas


ID
1222783
Banca
FCC
Órgão
METRÔ-SP
Ano
2014
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Delicadezas colhidas com mão leve 


     Era sábado e estávamos os dois na redação vazia da revista. Esparramado na cadeira, Guilherme roía o que lhe restava das unhas, levantava-se, andava de um lado para outro, folheava um jornal velho, suspirava. Aí me veio com esta:
     - Meu texto é melhor que eu.
     A frase me fez rir, devolveu a alegria a meu amigo e poderia render uma discussão sobre quem era melhor, Guilherme Cunha Pinto ou o texto do Guilherme Cunha Pinto. Os que foram apenas leitores desse jornalista tão especial, morto já faz tempo, não teriam problema em escolher as matérias que ele assinava, que me enchiam de uma inveja benigna.
     Inveja, por exemplo, da mão leve com que ele ia buscar e punha em palavras as coisas mais incorpóreas e delicadas. Não era com ele, definitivamente, a simplificação grosseira que o jornalismo tantas vezes se concede, com a desculpa dos espaços e horários curtos, e que acaba fazendo do mundo algo chapado, previsível, sem graça. Guilherme não aceitava ser um mero recolhedor de aspas, nas entrevistas, nem sair à rua para ajustar os fatos a uma pauta. Tinha a capacidade infelizmente rara de se deixar tocar pelas coisas e pessoas sobre as quais ia escrever, sem ideias prontas nem pé atrás. Pois gostava de coisas e de pessoas, e permitia que elas o surpreendessem. Olhava-as com amorosa curiosidade - donde os detalhes que faziam o singular encanto de suas matérias. O personagem mais batido se desdobrava em ângulos inéditos quando o repórter era ele. Com suavidade descia ao fundo da alma de seus entrevistados, sem jamais pendurá-los no pau de arara do jornalismo inquisitorial. Deu forma a textos memoráveis e produziu um título desde então citado e recitado nas redações paulistanas: “Picasso morreu, se é que Picasso morre”. 


(Adaptado de: WERNECK Humberto. Esse inferno vai acabar.
Porto Alegre: Arquipélago, 2001. p.45 e 46)


O autor do texto, ao se valer do segmento:

Alternativas
Comentários
  • GABARITO: E

    O texto inteiro é praticamente um elogio do autor ao colega Gulherme Cunha Pinto. Ao fim do texto o autor faz questão de ressaltar o quão talentoso era o seu colega de profissão: "Deu forma a textos memoráveis e produziu um título desde então citado e recitado nas redações paulistanas: “Picasso morreu, se é que Picasso morre”.


    Para quem como eu havia ficado em dúvida sobre a letra D: Pelo tom do autor do texto, não havia qualquer astúcia na forma como o Guilherme Cunha Pinta lidava com as pessoas, ou seja, a forma amorosa era tenra mesmo.

  • Ajudem-me entender o erro da (C):

    mero recolhedor de aspas (4º parágrafo), está acusando o vício comum, entre jornalistas, de apresentarem como suas as declarações alheias.

  • Estava em dúvida entre D e E.

  • Também não conseguir entender o problema com a letra (C). A expressão "mero recolhedor  de aspas" aparenta significar o vicio como de alguns jornalistas, que utilizão frases dos entrevistados como próprias.

    Se algum colega puder ajudar.

  • Depois de ter errado e marcado a alternativa C acredito que o erro da questão está justamente no fato de dizer que "recolher aspas" é utilizar-se das falas como próprias. Na verdade não é. Recolher aspas é escrever o que pensa, o que acha, sem se importar com o que o entrevistado diz, ou então com a realidade dos fatos. Recolher as aspas é retirar do texto aquilo que o entrevistado diz.

     


  • Só pra complementar o comentário da Cristiane, o significado de astúcia é" (1) Manha ardilosa e sutil ou (2) Estratagema.

    "astúcia", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/ast%C3%BAcia [consultado em 09-04-2015].

  • Na verdade, se formos ao pé da letra, ser um recolhedor de aspas significa se valer de paráfrases a todo instante, ou seja, deixando de lado as próprias ideias, não priorizando-as. Portanto, não é propriamente apresentar as ideias de outrem como próprias, mas retardar a exposição do próprio pensamento.   

  • erro da letra C

    mero recolhedor de aspas (4º parágrafo), está acusando o vício comum, entre jornalistas, de apresentarem como suas as declarações alheias
    mero = qualquer ======>  a palavra não tem relação com vício, Guilherme não era qquer jornalista que apenas reporta a notícia. é uma extrapolação 
  • Recolher aspas no jargão jornalístico é apenas colher declarações, de autoridades, testemunhas, fontes em geral, sem contextualizar etc, muito comum no jornalismo apressado de hoje em dia, na qual o profissional tem que escrever 10 matérias por dia.