- ID
- 1478785
- Banca
- FUNCAB
- Órgão
- MJSP
- Ano
- 2015
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
- 
                - Orações coordenadas sindéticas: Aditivas, Adversativas, Alternativas, Conclusivas...
- Orações subordinadas adjetivas: Restritivas, Explicativas
- Orações subordinadas adverbiais: Causal, Comparativa, Consecutiva, Concessiva, Condicional...
- Orações subordinadas substantivas: Subjetivas, Objetivas diretas, Objetivas indiretas...
- Sintaxe
 
                        Chove Chuva
            Água,  água  e  mais  água.  É  tudo  o  que  eu  tenho a oferecer. Escrevero maior número de vezes a  palavra mágica,  na  certeza  de  que  águas  passadas  não  movem  moinhos,  mas  podem,  de  tanto  serem  sugeridas,  sensibilizar os  céus e  fazer com  que elas  desabem sobre nós. E que depois se faga o arco-íris.  Que depois apareça,  toda de branco,  toda molhada e  despenteada,  que  maravilha!,  a  coisa  linda  que  é  o meu amor,
            Eu  gostaria  de  repetir  a  dança  da  chuva,  a  coreografia provocativa dos Cheyennes, tantas vezes  vista nos filmes.  Falta-me o  requebro. Temo  também  que o ridículo da cena faça o feitiço ir água abaixo. Eu  gostaria de subir aos ares,  como urn Santos Dumont  tardio,  bombardear as  nuvens  com  cloreto  de  sódio.  Se  não  desse  certo,  pelo  menos  chegaria  perto  do  ouvido de São Pedro e,  com piadas do  tipo “afogar o  ganso”  e  “molhar  o  biscoito” ,  faria  com  que  o  santo  relaxasse e abrisse as torneiras.
            De  nada  disso,  no  entanto,  sou  capaz.  Fico  aqui,  no  limite do meu  oceano,  jacaré  no seco anda,  escrevendo e evocando as águas que passaram pela  ponte da memória.  Lembro, vizinha à minha casa, na  Vila da Penha dos rios transbordantes, a compositora  Zilda  do  Zé,  de  “As  águas  vão  rolar” .  A  sua  força  ancestral,  grande sambista, eu evoco agora, mesmo  sabendo que  a  letra da música se refere à água que  passarinho não bebe.
            Todas as águas devem ser provocadas nesta  imensa  onda  de  pensamento  positivo,  e  eu  agora  molho reverente os pés do balcão com o primeiro gole  para  o  santo.  Finjo-me  pau  d’água  e  sigo  em  frente.  Nem ai para os  incréus,  nem ai para os que zombam  da  fé,  esses  insensatos. A todos  peço  que  leiam  na  minha camisa  e não  desistam:" Água mole em pedra dura tanto bate até que fura".
            [...]
            O  sonho  acabou  há  tempo,  e  la  se  foi  John  Lennon morto. Agora chegou a nostalgia da água, de  torcer pelo volume morto e sentir saudade de ver urn  arco-íris  emoldurando  o  Pão  de  Açúcar  depois  da  pancada de verão. Como explicar a uma criança que  sol  é  chuva  e casamento de  viúva? Como explicar a  deliciosa aflição de dormir se perguntando  “será que  vai dar praia?” , se agora todo dia é dia de sol?
            A propósito,  eu  li  o  grande  poeta  sentado  no  banco  da  praia  e  sei  que  a  sede  é  infinita,  que  na  nossa  secura  de  amar  é  preciso  buscar  a  água  implicita,  o  beijo  tacito -  mas  acho  que  e  poesia  demais  para  uma  hora  dessas.  Urge,  como  queria  Benjor,  que  chova  chuva.  Canivetes.  Gatos  e  cachorros.  Se Joseph Conrad  traduziu a guerra  com  “o horror, o horror, o horror” ,  chegou a vez de  resumir  o nosso tempo com “a seca, a seca, a seca” - e bater  os tambores na direção contraria. Saúdo para que se  faça nuvem,  e a  todos cubra com o seu divino manto  liquido,  a  saudosa  Maria,  a  santa  carioca  que  a  incomparável Marlene viu subindo o morro com a lata  d'água na cabeça.
            2015 promete serterrível, mas há quern ache  bom  negócio  refletir  sobre  os  valores  básicos  da  sobrevivência,  o  que  o  homem  está  fazendo  com  o  meio ambiente. Vai  ser o ano de valorizar como bem  de  consumo  insuperável  não  o  Chanel  n°  5,  mas  o  cheiro  da  terra  molhada  depois  do  toró  de  fim  de  tarde. Que assim seja. Que se cumpra a felicidade de  ouvirTom Jobim ao piano, tecla portecla, gota a gota,  celebrando a cena  real de,  lá fora, estar chovendo na  roseira.
            Ah,  quern  me  dera  ligar  o  rádio  e  escutar  o  formidável  português  ruim  da  edição  extraordinária.  Aumentar  o  som  para  deixar  o  locutor  gritar -  os  clichês boiando molhadinhos pelo tesão da notícia -  que  chove  a  cântaros em todos os quadrantes da Cidade Maravilhosa.
                                                                              (SANTOS,  Joaquim  Ferreira  dos.  Chove  chuva.  In:  O  Globo, 26/01/2015.)
 
Considerando a passagem em destaque em “Fico aqui, no limite do meu oceano, jacaré no seco anda, escrevendo e evocando AS ÁGUAS QUE PASSARAM PELA PONTE DA MEMÓRIA.” , é correto dizer que há nela: