SóProvas


ID
1774828
Banca
FUNCAB
Órgão
Faceli
Ano
2015
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                    A língua que somos, a língua que podemos ser

                                             (Eliane Brum)

      A alemã Anja Saile é agente literária de autores de língua portuguesa há mais de uma década. Não é um trabalho muito fácil. Com vários brasileiros no catálogo, ela depara-se com frequência com a mesma resposta de editores europeus, variando apenas na forma. O discurso da negativa poderia ser resumido nesta frase: “O livro é bom, mas não é suficientemente brasileiro". O que seria “suficientemente brasileiro"? 

      Anja (pronuncia-se “Ânia") aprendeu a falar a língua durante os anos em que viveu em Portugal (e é impressionante como fala bem e escreve com correção). Quando vem ao Brasil, acaba caminhando demais porque o tamanho de São Paulo sempre a surpreende e ela suspira de saudades da bicicleta que a espera em Berlim. Anja assim interpreta a demanda: “O Brasil é interessante quando corresponde aos clichês europeus. É a Europa que define como a cultura dos outros países deve ser para ser interessante para ela. É muito irritante. As editoras europeias nunca teriam essas exigências em relação aos autores americanos, nunca".

      Anja refere-se ao fato de que os escritores americanos conquistaram o direito de ser universais para a velha Europa e seu ranço colonizador― já dos brasileiros exige-se uma espécie de selo de autenticidade que seria dado pela “temática brasileira". Como se sabe, não estamos sós nessa xaropada. O desabafo de Anja, que nos vê de fora e de dentro, ao mesmo tempo, me remeteu a uma intervenção sobre a língua feita pelo escritor moçambicano Mia Couto, na Conferência Internacional de Literatura, em Estocolmo, na Suécia. Ele disse: 

       — A África tem sido sujeita a sucessivos processos de essencialização e folclorização, e muito daquilo que se proclama como autenticamente africano resulta de invenções feitas fora do continente. Os escritores africanos sofreram durante décadas a chamada prova de autenticidade: pedia-se que seus textos traduzissem aquilo que se entendia como sua verdadeira etnicidade. Os jovens autores africanos estão se libertando da “africanidade". Eles são o que são sem que se necessite de proclamação. Os escritores africanos desejam ser tão universais como qualquer outro escritor do mundo. (...) Há tantas Áfricas quanto escritores, e todos eles estão reinventando continentes dentro de si mesmos.

[...]

       — O mesmo processo que empobreceu o meu continente está, afinal, castrando a nossa condição comum e universal de contadores de histórias. (...) O que fez a espécie humana sobreviver não foi apenas a inteligência, mas a nossa capacidade de produzir diversidade. Essa diversidade está sendo negada nos dias de hoje por um sistema que escolhe apenas por razões de lucro e facilidade de sucesso. Os autores africanos que não escrevem em inglês – e em especial os que escrevem em língua portuguesa – moram na periferia da periferia, lá onde a palavra tem de lutar para não ser silêncio.

[...] 

        Talvez os indígenas sejam a melhor forma de ilustrar essa miopia, forjada às vezes por ignorância, em outras por interesses econômicos localizados em suas terras. Parte da população e, o que é mais chocante, dos governantes, espera que os indígenas – todos eles – se comportem como aquilo que acredita ser um índio. Portanto, com todos os clichês do gênero. Neste caso, para muitos os índios não seriam “suficientemente índios" para merecer um lugar e para serem escutados como alguém que tem algo a dizer.

       Outra parte, que também inclui gente que está no poder em todas as instâncias, do executivo ao judiciário, finge que os indígenas não existem. Finge tanto que quase acredita. Como não conhecem e, pior que isso, nem mesmo percebem que é preciso conhecer, porque para isso seria necessário não só honestidade como inteligência, a extinção progressiva só confirmaria uma ausência que já construíram dentro de si.

[...] 

Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/ eliane-brum/noticia/2012/01/lingua-que-somos-lingua-que-podemos-ser.html>

A partir do trecho “pedia-se que seus textos traduzissem aquilo que se entendia como sua verdadeira etnicidade.", é correto dizer que há nele:

Alternativas
Comentários
  • Os dois verbos (pedir e entender) são respectivamente: VTDI e VTD, logo, existem 2 construções de voz passiva.

  • Aff, eu marquei a letra C ! Se o sujeito é determinado, como pode ser duas vozes passivas?

    "(...) a prova de autenticidade pedia que seus textos traduzissem (...)

    O que a transitividade do verbo diz? Não consigo ver a relação, Luciana Brandão.


  • Ainda estou meio confuso, seria isso: "A prova de autenticidade dos escritores africanos pedia a si mesma (exigia de si mesma) que seus textos traduzissem aquilo que se entendia como sua verdadeira etnicidade. "??

    Marquei a C por achar que a partícula -se em ''pedia-se'' era indeterminador de sujeito.

  • A primeira parte não seia sujeito oracional? Pedia-se isso? Não entendi

  • Maximumm , VTD + Se  e VTDI + Se = Sujeito Paciente (No caso na primeira parte está na voz passiva).

    Quem pede , pede alguma coisa . (VTD + Se) 

    Deus abençoe a todos ! 

  • Gabarito B

    A análise do sujeito parte sempre do verbo:

    "Pedia-se que seus textos traduzissem aquilo"

    Pedir VTD: Quem pede, pede alguma coisa. Pediu o quê? ISSO (Sujeito oracional)

    "Isso foi pedido" Passiva

    "aquilo que se entendia como sua verdadeira etnicidade"

    Entender VTD: Quem entende, entende algo. Entendeu o quê? Que (Aquilo).

    "Aquilo foi entendido" Passiva