SóProvas


ID
2283559
Banca
FUNCAB
Órgão
Faceli
Ano
2015
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

As intermitências da morte

(Fragmento) 

    A morte conhece tudo a nosso respeito, e talvez por isso seja triste. Se é certo que nunca sorri, é só porque lhe faltam os lábios, e esta lição anatômica nos diz que, ao contrário do que os vivos julgam, o sorriso não é uma questão de dentes. Há quem diga, com humor menos macabro que de mau gosto, que ela leva afivelada uma espécie de sorriso permanente, mas isso não é verdade, o que ela traz à vista é um esgar de sofrimento, porque a recordação do tempo em que tinha boca, e a boca língua, e a língua saliva, a persegue continuamente. Com um breve suspiro, puxou para si uma folha de papel e começou a escrever a primeira carta deste dia, Cara senhora, lamento comunicar-lhe que a sua vida terminará no prazo irrevogável e improrrogável de uma semana, desejo-lhe que aproveite o melhor que puder o tempo que lhe resta, sua atenta servidora, morte. Duzentas e noventa e oito folhas, duzentos e noventa e oito sobrescritos, duzentas e noventa e oito descargas na lista, não se poderá dizer que um trabalho destes seja de matar, mas a verdade é que a morte chegou ao fim exausta. Com o gesto da mão direita que já lhe conhecemos fez desaparecer as duzentas e noventa e oito cartas, depois, cruzando sobre a mesa os magros braços, deixou descair a cabeça sobre eles, não para dormir, porque morte não dorme, mas para descansar. Quando meia hora mais tarde, já refeita da fadiga, a levantou, a carta que havia sido devolvida à procedência e outra vez enviada, estava novamente ali, diante das suas órbitas atônitas.

    Se a morte havia sonhado com a esperança de alguma surpresa que a viesse distrair dos aborrecimentos da rotina, estava servida. [...] Entre ir e vir, a carta não havia demorado mais que meia hora, provavelmente muito menos, dado que já se encontrava em cima da mesa quando a morte levantou a cabeça do duro amparo dos antebraços, isto é, do cúbito e do rádio, que para isso mesmo é que são entrelaçados. Uma força alheia, misteriosa, incompreensível, parecia opor-se à morte da pessoa, apesar de a data da sua defunção estar fixada, como para toda a gente, desde o próprio dia do nascimento. É impossível, disse a morte à gadanha silenciosa, ninguém no mundo ou fora dele teve alguma vez mais poder do que eu. eu sou a morte, o resto é nada. As intermitências da morte (Fragmento)

SARAMAGO, José. As intermitências da morte. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 139-40


“já refeita da fadiga, a levantou, a carta que havia sido devolvida à procedência e outra vez enviada,”
A respeito do trecho acima, quanto aos aspectos gramatical, sintático e semântico, analise as afirmativas a seguir.
I. A colocação pronominal, na segunda oração, A LEVANTOU, foi realizada de forma inadequada.
II. O uso do acento indicativo da crase em “À PROCEDÊNCIA” não se apoia na gramática normativa.
III. QUE, dentro da oração a que pertence, assume papel de sujeito.
Está(ão) correta(s) apenas a(s) afirmativa(s): 

Alternativas
Comentários
  • I – No começo de orações, usa-se ênclise: levantou-a. A não ser quando tem uma palavra atrativa como é o caso do “ não”. Aí ficaria: Não a levantou.

  • 2 )devolvida À procedÊncia

    devolvida AO homen

    3)verbo haver no sentido de existir é sujeito inexistÊnte.

    haver no sentido de ter possui sujeito,que é o caso em tela.

     

  • I. A colocação pronominal, na segunda oração, A LEVANTOU, foi realizada de forma inadequada.

     

     Correto: Realmente foi colocado de forma inadequada, pois não se admite próclise em início de orações e sim ênclise, (LEVANTOU - A). 

    Ressalvados os casos atrativos de próclise:  Palavras de sentido negativo,  advérbios, conjunções subordinativas, pronomes relativos, indefinidos, demonstrativos etc...

     

    II. O uso do acento indicativo da crase em “À PROCEDÊNCIA” não se apoia na gramática normativa.

     

    Erradodevolvida à procedência - (foi devolvida A alguém, pois quem devolve, devolve algo A alguém Logo pede preposição A, 

    A procedência, pede artigo). Portanto a crase está correta.

     

    III. QUE, dentro da oração a que pertence, assume papel de sujeito.

     

    Correto:  ...a carta que havia sido devolvida à procedência e outra vez enviada,”

    O QUE está fazendo o papel de sujeito na oração, referindo-se a CARTA.

    Portanto, estão corretas I e II

    Gabarito: C

  • ALTERNATIVA C

    NOTEM QUE O VERBO HAVER NÃO ESTÁ NO SENTIDO DE EXISTIR/OCORRER

  • "Quando meia hora mais tarde, já refeita da fadiga, a levantou, a carta que havia sido devolvida à procedência e outra vez enviada, estava novamente ali, diante das suas órbitas atônitas."

    A expressão "a levantou" não está iniciando período algum, ela foi somente separada por uma oração intercalada.

    Vejam que há uma conjunção subordinada na oração a que pertence a expressão, sendo isso um fator atrativo da colocação pronominal.

    Acredito que esse posicionamento não é o de todas as banca (ainda mais com a oração intercalada sendo considerada como de grande extensão - mais de 3 palavras), mas da Funcab/Incab com ctza o é.

  • Deus é fiel

  • "A CARTA" é sujeito paciente, uma vez que a sentença está na voz passiva. Se tivesse na voz ativa, seria O.D