- ID
- 2332618
- Banca
- IBADE
- Órgão
- Prefeitura de Rio Branco - AC
- Ano
- 2017
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
Texto para responder à questão.
Preto é cor, negro é raça
O refrão de uma marchinha carnavalesca, de
amplo domínio público, oferece uma pista
interessante para a compreensão do critério objetivo
que a sociedade brasileira emprega para a
classificação racial das pessoas: “O teu cabelo não
nega, mulata, porque és mulata na cor; mas como a
cor não pega, mulata, mulata eu quero o teu amor”.
Escrita por Lamartine Babo para o Carnaval
de 1932, a marchinha realça a ambiguidade das
relações raciais, ao mesmo tempo em que ilustra a
opção nacional pela aparência, pelo fenótipo.
Honesto e preconceituoso em sua definição de negro,
Lamartine contribui mais para o debate sobre
classificação racial do que muitos doutores.
Com efeito, ao contrário do que pensa o
presidente eleito, bem como certos acadêmicos, os
cientistas pouco podem fazer nesta seara, além de,
em regra, exibirem seus próprios preconceitos ou seu
compromisso racial com a manutenção das coisas
como elas estão.
Primeiro porque, como se sabe, raça é
conceito científico inaplicável à espécie humana, de
modo que o vocábulo raça adquire relevância na
semântica e na vida apenas naquelas sociedades em
que a cor da pele, o fenótipo dos indivíduos, é
relevante para a distribuição de direitos e
oportunidades.
Segundo, porque as pessoas não nascem
negras ou brancas; enfim, não nascem “racializadas”.
É a experiência da vida em sociedade que as torna
negras ou brancas.
“Todos sabem como se tratam os pretos”,
assevera Caetano Veloso na canção “Haiti”.
Em sendo um fenômeno relacional, a
classificação racial dos indivíduos repousa menos em
qualquer postulado científico e mais nas regras que
regem as relações, intersubjetivas, econômicas e
políticas no passado e no presente.
Negro e branco designam, portanto,
categorias essencialmente políticas: é negro
quem é tratado socialmente como negro,
independentemente de tonalidade cromática. É
branco aquele indivíduo que, no cotidiano, nas
estatísticas e nos indicadores sociais, abocanha
privilégios materiais e simbólicos resultantes do
possível mérito de ser branco. Esse sistema funciona
perfeitamente bem no Brasil desde tempos
imemoriais.
A título de exemplo, desde a primeira metade
do século passado, a Lei das Estatísticas Criminais
prevê a classificação racial de vítimas e acusados por
meio do critério da cor. Emprega-se aqui a técnica da
heteroclassificação, visto que ao escrivão de polícia compete classificar, o que é criticado pela
demografia, que entende ser mais recomendável, do
ângulo ético e metodológico, a autoclassificação.
Há um outro banco de dados no qual o
método empregado é o da autoclassificação: o
Cadastro Nacional de Identificação Civil, feito com
base na ficha de identificação civil, a partir da qual é
emitida a cédula de identidade, o popular RG. Tratase
de uma ficha que pode ser adquirida em qualquer
papelaria, cujo formulário, inspirado no aludido
Decreto-Lei das Estatísticas Criminais, contém a
rubrica “cútis”, neologismo empregado para designar
cor da pele. Assim, todas as pessoas portadoras de
RG possuem em suas fichas de identificação civil a
informação sobre sua cor, lançada, em regra, por elas
próprias.
Vê-se, pois, que o Cadastro Nacional de
Identificação Civil oferece uma referência objetiva e
disponível para o suposto problema da classificação
racial: qualquer indivíduo cuja ficha de identificação
civil, dele próprio ou de seus ascendentes (mãe ou
pai), indicar cor diversa de branca, amarela ou
indígena, terá direito a reivindicar acesso a políticas
de promoção da igualdade racial e estará habilitado
para registrar seu filho ou filha como preto/negro.
Fora dos domínios de uma solução
pragmática, o procedimento de classificação racial,
que durante cinco séculos funcionou na mais perfeita
harmonia, corre o risco de se tornar, agora, um
terrífico dilema, insolúvel, poderoso o bastante para
paralisar o debate sobre políticas de promoção da
igualdade racial.
No passado nunca ninguém teve dúvidas
sobre se éramos negros. Quiçá no futuro possamos
ser apenas seres humanos.
SILVA JÚNIOR, Hédio. Preto é cor, negro é raça. Folha de S.Paulo, São Paulo, 21 dez. 2002. Opinião, p.A3.
Sobre os elementos destacados do fragmento “O
refrão de uma marchinha carnavalesca, de amplo
domínio público, oferece uma pista interessante para
a compreensão do critério objetivo que a sociedade
brasileira emprega para a classificação racial das
pessoas”, leia as afirmativas.
I. DE AMPLO DOMÍNIO PÚBLICO é circunstância
adverbial de lugar.
II. A palavra PARA é uma preposição com valor de
finalidade.
III. QUE, no contexto, é uma conjunção integrante.
IV. PÚBLICO e OBJETIVO concordam em gênero e
número com o substantivo a que se referem.
Está correto o que se afirma apenas em: