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ID
2379889
Banca
FEPESE
Órgão
MPE-SC
Ano
2014
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Texto 10
A complicada arte de ver
Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou ficando louca" Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. "Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões - é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto."
Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales" de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".
Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.
William Blake sabia disso e afirmou: "A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê" Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.
Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra" Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.
ALVES, Rubem. A complicada arte de ver. Disponível em: Acessado em 31 de março de 2014. 

Considere o trecho abaixo extraído do texto 10.
"Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões - é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, çortada_a_ cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto."
Analise as afirmativas a seguir:

1. A informação do período introduzido por "entretanto" contrasta com a informação do período precedente.

2. O segmento "cortada a cebola" é uma oração subordinada adverbial temporal reduzida de particípio.

3. As formas verbais "fizera" e "havia visto" correspondem ao tempo verbal pretérito mais-que- -perfeito, podendo ser reescritas como "tinha feito" e "vira', respectivamente, mantendo-se o mesmo valor temporal.

4. A expressão "o mesmo" é uma retomada por encapsulamento, cujo escopo é o trecho "Percebi que [...] para ser vista!".

5. "Agora" está funcionando como operador argumentativo que introduz uma conclusão relativamente a argumentos apresentadas nos enunciados anteriores.

Assinale a alternativa que indica todas as afirmativas corretas. 

Alternativas
Comentários
  • Qual a diferença de precedente e antecedente na questão?

  • Dai Schwebel.

    Só para acrescentar uma forma de analisar a questão, não acredito que o problema da afirmativa I seja a palavra "precedente" visto que esta possui, dentro desse contexto, o mesmo significado de "antecedente". = anterioridade.

    Então, a primeira alternativa diz:

    1. A informação do período introduzido por "entretanto" contrasta com a informação do período precedente.

    Se a questão está pedindo para analisar as informações, temos que fazer uma análise semântica (analisar o sentido) e não puramente sintática. Pela sintaxe, estamos acostumados a ver o "entretanto" como uma conjunção adversativa. Analisando, porém as informações, percebemos que o período iniciado por "entretanto" não se opõe ao período anterior. Por quê?

     "Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões - é uma alegria!"

     "[Entretanto], faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas."

    Percebem que narrador não fez nada de diferente? Ele ainda foi para cozinha e ainda cortou cebolas.

    Então, segundo uma análise semântica, as informações não são contrárias. Portanto, sintaticamente, "entretanto" não é aqui uma conjunção adversativa, pois não se opõe a nada, mas é um advérbio. Segundo o dicionário, o "entretanto" funcionaria como advérbio, caso expressasse uma noção temporal.

    "Neste meio-tempo; inserido no espaço de tempo entre duas ações"

    Espero ter ajudado na sua dúvida, Dai. <3

    Bom estudos a todos.

  • Na alternativa 1, a análise tem que ser semântica. Como o período é "Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas", não há ideia de contraste entre esse período e o anterior.

    Na alternativa 2, temos que a oração é subordinada (não tem sentido independente), adverbial temporal (da a ideia de quando ocorreu a ação descrita pela oração principal) reduzida de particípio (verbo cortar)

    Alternativa 3 correta

    Alternativa 4: o mesmo retoma uma informação descrita no período anterior

    Alternativa 5: agora não expressa conclusão.

  • Alguém pode me explicar porque o "havia visto" correspondem ao tempo verbal pretérito mais-que-perfeito" ?