SóProvas


ID
2552935
Banca
IBADE
Órgão
SEDUC-RO
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

      O apagão poderá nos trazer alguma luz


      Não tivemos guerra, não tivemos revolução, mas teremos o apagão. O apagão será uma porrada na nossa autoestima, mas terá suas vantagens.

      Com o apagão, ficaremos mais humildes, como os humildes. A onda narcisista da democracia liberal ficará mais “cabreira", as gargalhadas das colunas sociais serão menos luminosas, nossos flashes, menos gloriosos. Baixará o astral das estrelas globais, dos comedores. As bundas ficarão mais tímidas, os peitos de silicone, menos arrebitados. Ficaremos menos arrogantes na escuridão de nossas vidas de classe média. [..,] Haverá algo de becos escuros, sem saída. A euforia de Primeiro Mundo falsificado cairá por terra e dará lugar a uma belíssima e genuína infelicidade.

      O Brasil se lembrará do passado agropastoril que teve e ainda tem; teremos saudades do matão, do luar do sertão, da Rádio Nacional, do acendedor de lampiões da rua, dos candeeiros. Lembraremos das tristes noites dos anos 40, como dos “blackouts” da Segunda Guerra, mesmo sem submarinos, apenas sinistros assaltantes nas esquinas apagadas.

      O apagão nos lembrará de velhos carnavais: “Tomara que chova três dias sem parar". Ou: “Rio, cidade que nos seduz, de dia falta água, de noite falta luz!". Lembraremo-nos dos discos de 78 rpm, das TVs em preto-e-branco, de um Brasil mais micha, mais pobre, cambaio, mas bem mais brasileiro em seu caminho da roça, que o golpe de 64 interrompeu, que esta mania prostituída de Primeiro Mundo matou a tapa.

      [...]

      O apagão nos mostrará que somos subdesenvolvidos, que essa superestrutura modernizante está sobre pés de barro. O apagão é um “upgrade" nas periferias e nos “bondes do Tigrão”, nos lembrando da escuridão física e mental em que vivem, fora de nossas avenidas iluminadas. O apagão nos fará mais pensativos e conscientes de nossa pequenez. Seremos mais poéticos. Em noites estreladas, pensaremos: “A solidão dos espaços infinitos nos apavora”, como disse Pascal. Ou ainda, se mais líricos, recitaremos Victor Hugo: "A hidra-universo torce seu corpo cravejado de estrelas...".

      [...] O apagão nos dará medo, o que poderá nos fazer migrar das grandes cidades, deixando para trás as avenidas secas e mortas. O apagão nos fará entender os flagelados do Nordeste, que sempre olharam o céu como uma grande ameaça. O apagão nos fará contemplar o azul sem nuvens, pois aprendemos que a natureza é quando não respeitada.

     O apagão nos fará mais parcimoniosos, respeitosos e públicos. Acreditaremos menos nos arroubos de autossuficiência.

   O apagão vai dividiras vidas, de novo, em dias e noites, que serão nítidos sem as luzes que a modernidade celebra para nos fascinar e nos fazer esquecer que as cidades, de perto, são feias e injustas. Vai diminuir a “feerie" do capitalismo enganador.

     Vamos dormir melhor. Talvez amemos mais a verdade dos dias. Acabará a ilusão de clubbers e playboys, que terão medo dos “manos” em cruzamentos negros, e talvez o amor fique mais recolhido, sussurrado e trêmulo. Talvez o sexo se revalorize como prazer calmo e doce e fique menos rebolante e voraz. Talvez aumente a população com a diminuição das diversões eletrônicas noturnas. O apagão nos fará inseguros na rua, mas, talvez, mais amigos nos lares e bares.

      Finalmente, nos fará mais perplexos, pois descobriremos que o Brasil é ainda mais absurdo, pois nunca entenderemos como, com três agências cuidando da energia, o governo foi pego de surpresa por essas trevas anunciadas. Só nos resta o consolo de saber que, no fim, o apagão nos trará alguma luz sobre quem somos.

JABOR, Arnaldo. O apagão poderá nos trazer alguma luz. Folha de S. Paulo,São Paulo, 15 de maio 2001. Extraído do site. <www.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1505200129.htm. Acesso em 14out. 2016. (Fragmento)

Sobre o segmento “Não tivemos guerra, não tivemos revolução, mas teremos o apagão.” é correto afirmar que:

Alternativas
Comentários
  • Alguém sabe por que a letra D não está correta? Não são todas orações coordenadas (duas assindéticas e uma adversativa), ou seja, sem dependência sintática entre si?

  • O gabarito oficial é letra "E". Todavia, a letra "C" também está certa. Já indiquei para comentário.

     

     a) as categorias verbais, nas orações, estão na voz passiva sintética. (ERRADA)

    (voz passiva sintética: verbo + pronome "se" + sujeito paciente)

     b) nela há três orações subordinadas adverbiais. (ERRADA)

    (oração subordinada é subordinada à principal e funciona como adjunto adverbial. O que liga as orações são as conjunções causais, comparativas, concessivas, condicionais, conformativas, consecutivas, finais, proporcionais e temporais, o que não é o caso)

     c) há um problema de concordância verbal existente na segunda oração. (ERRADA)

     d) as categorias sintáticas presentes nas orações são formas independentes. (CORRETA)

    São orações coordenadas sindéticas, por causa da conjunção adversativa "mas", ou seja, orações independentes.

     e) os verbos das três orações possuem igual regência. (CORRETA)

    De fato, o s verbos possuem a mesma regência.

     

  • Também acho que a D está certa.

    Obs: a E também.

  • As CATEGORIAS SINTÁTICAS presentes nas orações são formas independentes. INCORRETO  porque a existência do objeto direto, por exemplo, depende da existência de um verbo transitivo direto na oração.

  • A letra D não está correta pelo fato de ter uma conjunção adversativa na 3ªoração, a qual lhe-deixa subordinada as outras orações. 

  • Também acho que a D e a E estão corretas. Todas são orações coordenativas e por isso independentes, e todos os verbos possuem a mesma regência (objeto direto).

  • Peçam comentários por favor...

  • Comentário acerca da alternativa D:

    paralelismo sintático, ou paralelismo gramatical, observa a ligação (ou seja, dependência existente entre as funções sintáticas ou morfológicas dos elementos da oração.

  • Sobre a letra D concordo com a "Letícia M / Oficial de Justiça TJ RS" sobre paralelismo sintático.

    Outra possibilidade é que, e posso estar errado, a banca interpretou o "mas" não como uma conjunção coordenativa adversativa, mas como subordinativa concessiva com a ideia de "ainda sim". “Não tivemos guerra, não tivemos revolução, (ainda assim, apesar disso) teremos o apagão.” (embora não termos guerra e revolução teremos o apagão).