SóProvas


ID
2612305
Banca
CONSULPLAN
Órgão
Câmara de Belo Horizonte - MG
Ano
2018
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Texto para responder à questão.

O despreparo da geração mais preparada

    A crença de que a felicidade é um direito tem tornado despreparada a geração mais preparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada ___ criar _____ partir da dor.

    Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.

    Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se emburra e desiste.

    Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles que: viver é para os insistentes.

    Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade.

    Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que “fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de dar duro para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. Bacana é o cara que não estudou, passou a noite na balada e foi aprovado no vestibular de Medicina. Este atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país.

    Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do “eu mereço”.

(Eliane Brum. Disponível em: http://www.portalraizes.com/28-2/. Fragmento.)

Em “E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade.” (1º§), acerca da repetição do termo “sofre” pode-se afirmar que

Alternativas
Comentários
  • alguém sabe dizer por que não seria uma ironia? Esse "sofre muito" não poderia ironizar o fato de ser uma geração que teve tudo dos pais e não se sacrificou? 

  • Aparentemente essa questão gerou muita polêmica. Contudo, entendo que no trecho em questão, a autora não estava sendo irônica e queria dizer que o jovem, exatamente porque "foi ensinado a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade", sofre. E sofre muito. 

    Sofrer é uma coisa. "Sofrer muito" é outra coisa. Pior, maior, mais grave, mais intensa. Se "sofrer" é diferente de "sofrer muito", então de fato "não há efeito de sentido idêntico nesta recorrência". A reiteração (repetição do termo "sofre") traz, no momento em que se repete, um advérbio que intensifica e, com isso, "acrescenta novas instruções de sentido". 

    O texto da questão sem dúvida é estranho, mas não há problema algum com a alternativa correta, LETRA D

  • Errei!

    Já procurei comentário de professores, e nada até então. Desconfio que:

    [A geração] por tudo isso sofre, sofre muito, porque (...).

    .

    MUITO = advérbio de intensidade. A banca deve ter usado o seguinte raciocínio: permanece verbo em ambos os casos (mesma classe gramatical), mas acrescenta nova instrução de sentido. Imaginemos: quando queremos convencer uma pessoa do nosso sofrimento, pouco adianta dizer a ela: "tô sofrendo or estudar para concurso". Se dissermos: "tô sofrendo muito pra fazer concurso". Faz diferença de sentido, não faz? Um draminha sempre rola!

  • Achei que a banca forçou demais a barra considerando essa letra d... só porque a autora quis enfatizar o sofrimento dos jovens, não significa que quis alterar ou acrescer sentido. Sofrimento continua sendo sofrimento, o que variou foi a intensidade..

  • Linda questão. Para raciocinar mesmo. Comentário da Adriana Silva foi brilhante.

  • Justificativa da Banca:

    A alternativa “D) não há efeito de sentido idêntico nesta recorrência, a reiteração deste termo traz consigo o acréscimo de novas instruções de sentido” foi considerada correta, pois, a segunda recorrência do termo “sofre” no trecho destacado acrescenta a ideia de intensidade. A alternativa “A) por meio da recorrência do termo, é possível identificar a ironia com que a autora trata o assunto ” não pode ser considerada correta, pois, o sofrimento apresentado no contexto é algo real. No trecho que antecede o trecho selecionado no enunciado da questão “E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade” pode -se comprovar tal fato: “...despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. ” (1º§) A alternativa “C) a recorrência tem por objetivo persuadir o leitor a questionar sobre o sofrimento abordado no trecho em análise. ”não pode ser considerada correta, pois, a repetição demonstra intensificação acrescentando-se ainda o termo “muito”. Não há, através de tal recurso, objetivo de que haja questionamento de tal sofrimento.

  • d)

    não há efeito de sentido idêntico nesta recorrência, a reiteração deste termo traz consigo o acréscimo de novas instruções de sentido.