- ID
- 3383965
- Banca
- IBADE
- Órgão
- Prefeitura de Ji-Paraná - RO
- Ano
- 2018
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
Texto para responder à questão.
Como não ser feliz
Nós não nascemos pra ser felizes. Isso é uma descoberta, um anseio recente
A moça aproximou-se após esperar alguns
minutos na fila da tarde de autógrafos na livraria e
disparou, com um sorriso entre dentes, à
queima-roupa:
- Você é feliz?
Respondi, afável mas secamente:
- Não!
- Jura? Não acredito!
A essa altura, começava a pensar, pelo teor da
conversa, tratar-se de pura gozação. Mas vi que era a
sério quando ela tascou: - Você passa a impressão
de que é bem feliz... Pedi breve licença às pessoas
na fila. E avancei no debate:
- Veja, nós não nascemos pra ser felizes. Isso
é uma descoberta, um anseio recente... Há 200 anos,
tudo que as pessoas queriam era sobreviver, chegar
aos 30 anos... No começo dos tempos, você acha que
o homem tinha tempo pra pensar em felicidade
enquanto fugia dos dinossauros e outras ameaças?
Ela ficou parada, certamente surpresa com
argumento tão inusitado. Continuei:
- Quantas “pessoas felizes" você conhece?
- Não muitas - ela respondeu, já um tanto
desolada.
- Eu não conheço nenhuma - sentenciei,
quase amargo.
Ela riu um riso sem graça. Aliviei um pouco.
- O que acontece é que algumas pessoas são
bem resolvidas com seu trabalho, têm uma vida
familiar relativamente tranquila... Essas pessoas
talvez pareçam felizes, não demonstram amargura
com a vida. E talvez eu seja uma delas. Prefiro
acreditar nisso.
Ela balançou a cabeça, resignada. E eu,
concluindo meu pensamento:
- “Ser feliz” hoje em dia tem mais a ver com
poder financeiro, desejos de consumo sem-fim, que
com qualquer outra coisa. Mas pense comigo: se
você não vive desesperadamente pelo dinheiro, não
tem sonhos impossíveis, fica mais fácil viver, mais
fluente, mais tranquilo...
A essa altura eu já me sentia protagonista da
palestra “Lair Ribeiro para jovens que sonham com a
felicidade”. Só que às avessas, ensinando não como
ser feliz, mas como não ser.
- Se você dedica mais tempo ao lúdico e vive
menos pressionado pela corrida do ouro que virou
nosso tempo, você terá mais tempo para o que
importa... Isso, talvez, seja felicidade, vai saber.
- É, mas... e o dinheiro? - ela retrucou,
mostrando não sertão avoada assim.
- Se nos satisfizéssemos em ganhar apenas o
necessário para viver bem, confortavelmente, sem
sacrifícios, seria ótimo. Mas nossa natureza sempre
pede mais... E isso torna as pessoas bastante
infelizes, viram escravas do dinheiro...
A fila já chiava, por conta da espera,
interrompida por esse debate misterioso, para o qual
os demais não foram convidados. Ainda ilustrei
rapidamente, para finalizar, com um filme argentino
obscuro que o vi há algum tempo, uma espécie de
comédia surreal e filosófica em que dois funcionários
de uma companhia elétrica ou de esgotos vagam pela
cidade, vivendo situações estranhas e mesmo
delirantes. Em dado momento, um fala ao outro:
“Preciso ir, tenho que dormir, estou muito cansado.”
Ao que o outro diz: “Ok, nos encontramos às sete
então?" E o primeiro diz: “Não, preciso dormir pelo
menos oito horas, senão não descanso." O outro
contra-ataca: “Essa história de dormir oito horas por
dia é uma invenção burguesa. Você acha que no
tempo das guerras as pessoas pensavam nisso? Na
Idade Média, você acha que alguém dormia oito
horas por dia?” O outro fica sem palavras.
Para arrematar nossa conversa, disse-lhe:
- É a mesma coisa. Um guerreiro assírio não
devia pensar em felicidade, apenas em sobreviver à
próxima guerra. Assim é que deveríamos pensar, em
sobreviverá próxima guerra. E só.
Sorri. Ela também sorriu.
- Fiquei muito feliz de ter você aqui nesta tarde
- ainda lhe disse (enfatizando a palavra feliz) à guisa
de ironia, mas não sem verdade.
BALEIRO, Zeca. Como não ser feliz. IstoÉ, dez.2012. Disponível
em http://istoe.com.br (Adaptado)
“Para arrematar nossa conversa, disse-lhe" o trecho
“Para arrem atar nossa conversa" pode ser
adequadamente substituída, sem mudança de seu
sentido original, pela seguinte oração: