Vício secreto
Depois de vários assaltos, ela decidiu que estava na hora de mudar de vida. De nada
adianta, dizia, andar de carro de luxo e morar em palacete se isso serve apenas para atrair
assaltantes. De modo que comprou um automóvel usado, mudou-se para um apartamento menor
e até começou a evitar os restaurantes da moda.
Tudo isso resultou em inesperada economia e criou um problema: o que fazer com o dinheiro
que ela já não gastava? Aplicar na Bolsa de Valores parecia-lhe uma solução temerária; não poucos
tinham perdido muito dinheiro de uma hora para outra - quase como se fosse um assalto. Outras
aplicações também não a atraíam. De modo que passou a comprar aquilo de que mais gostava:
joias. Sobretudo relógios caros. Multiplicavam-se os Bulgari, os Breitling, os Rolex. Já que o tempo
tem de passar, dizia, quero vê-lo passar num relógio de luxo.
E aí veio a questão: onde usar todas essas joias? Na rua, nem pensar. Em festas? Tanta
gente desconhecida vai a festas, não seria impossível que ali também houvesse um assaltante, ou
pelo menos alguém capaz de ser tentado a um roubo ao ter a visão de um Breitling. Sua paranoia
cresceu, e lá pelas tantas desconfiava até de seus familiares. De modo que decidiu: só usa as joias
quando está absolutamente só.
Uma vez por semana tranca-se no quarto, abre o cofre, tira as joias e as vai colocando: os
colares, os anéis, os braceletes - os relógios, claro, os relógios. E admira-se longamente no espelho,
murmurando: que tesouros eu tenho, que tesouros. O que lhe dá muito prazer. Melhor: lhe dava
muito prazer. Porque ultimamente há algo que a incomoda. É o olhar no rosto que vê no espelho.
Há uma expressão naquele olhar, uma expressão de sinistra cobiça que não lhe agrada nada, nada.
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff050115.htm. Acesso em 23.mar.2019. (Adaptado)
De acordo com o texto, assinale a alternativa correta.