- ID
- 4200721
- Banca
- UNICENTRO
- Órgão
- UNICENTRO
- Ano
- 2017
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
-
- Análise sintática
- Orações subordinadas adverbiais: Causal, Comparativa, Consecutiva, Concessiva, Condicional...
- Orações subordinadas substantivas: Subjetivas, Objetivas diretas, Objetivas indiretas...
- Sintaxe
- Vocativo e Termos Acessórios da Oração: Adjunto Adnominal, Diferença entre Adjunto Adnominal e Complemento Nominal, Adjunto Adverbial e Aposto
O animal satisfeito dorme,
Mário Sérgio Cortella
O sempre surpreendente Guimarães Rosa dizia: “o animal satisfeito dorme”. Por trás dessa aparente obviedade está um dos mais
fundos alertas contra o risco de cairmos na monotonia existencial, na redundância afetiva e na indigência intelectual. O que o escritor
tão bem percebeu é que a condição humana perde substância e energia vital toda vez que se sente plenamente confortável com a
maneira como as coisas já estão, rendendo-se à sedução do repouso e imobilizando-se na acomodação.
A advertência é preciosa: não esquecer que a satisfação conclui, encerra, termina; a satisfação não deixa margem para a
continuidade, para o prosseguimento, para a persistência, para o desdobramento. A satisfação acalma, limita, amortece.
Por isso, quando alguém diz “fiquei muito satisfeito com você” ou “estou muito satisfeita com teu trabalho”, é assustador. O que se
quer dizer com isso? Que nada mais de mim se deseja? Que o ponto atual é meu limite e, portanto, minha possibilidade? Que de
mim nada mais além se pode esperar? Que está bom como está? Assim seria apavorante; passaria a ideia de que desse jeito já
basta. Ora, o agradável é quando alguém diz: “teu trabalho (ou carinho, ou comida, ou aula, ou texto, ou música etc.) é bom, fiquei
muito insatisfeito e, portanto, quero mais, quero continuar, quero conhecer outras coisas.
Um bom filme não é exatamente aquele que, quando termina, ficamos insatisfeitos, parados, olhando, quietos, para a tela, enquanto
passam os letreiros, desejando que não cesse? Um bom livro não é aquele que, quando encerramos a leitura, o deixamos um pouco
apoiado no colo, absortos e distantes, pensando que não poderia terminar? Uma boa festa, um bom jogo, um bom passeio, uma
boa cerimônia não é aquela que queremos que se prolongue?
Com a vida de cada um e de cada uma também tem de ser assim; afinal de contas, não nascemos prontos e acabados. Ainda bem,
pois estar satisfeito consigo mesmo é considerar-se terminado e constrangido ao possível da condição do momento.
Quando crianças (só as crianças?), muitas vezes, diante da tensão provocada por algum desafio que exigia esforço (estudar, treinar,
EMAGRECER etc.) ficávamos preocupados e irritados, sonhando e pensando: por que a gente já não nasce pronto, sabendo todas
as coisas? Bela e ingênua perspectiva. É fundamental não nascermos sabendo e nem prontos; o ser que nasce sabendo não terá
novidades, só reiterações. Somos seres de insatisfação e precisamos ter nisso alguma dose de ambição; todavia, ambição é
diferente de ganância, dado que o ambicioso quer mais e melhor, enquanto que o ganancioso quer só para si próprio.
Nascer sabendo é uma limitação porque obriga a apenas repetir e, nunca, a criar, inovar, refazer, modificar. Quanto mais se nasce
pronto, mais refém do que já se sabe e, portanto, do passado; aprender sempre é o que mais impede que nos tornemos prisioneiros
de situações que, por serem inéditas, não saberíamos enfrentar.
Diante dessa realidade, é absurdo acreditar na ideia de que uma pessoa, quanto mais vive, mais velha fica; para que alguém quanto
mais vivesse mais velho ficasse, teria de ter nascido pronto e ir se gastando…
Isso não ocorre com gente, e sim com fogão, sapato, geladeira. Gente não nasce pronta e vai se gastando; gente nasce não-pronta,
e vai se fazendo. Eu, no ano que estamos, sou a minha mais nova edição (revista e, às vezes, um pouco ampliada); o mais velho
de mim (se é o tempo a medida) está no meu passado e não no presente.
Demora um pouco para entender tudo isso; aliás, como falou o mesmo Guimarães, “não convém fazer escândalo de começo; só
aos poucos é que o escuro é claro”…
Excerto do livro “Não nascemos prontos! – provocações filosóficas”. De Mário Sérgio Cortella.
Disponível em:<http://www.contioutra.com/o-animal-satisfeito-dorme-texto-de-mario-sergio-cortella/>
Assinale a alternativa que estiver em desacordo com as relações morfossintáticas presentes neste fragmento: “Diante
dessa realidade, é absurdo acreditar na ideia de que uma pessoa, quanto mais vive, mais velha fica; para que alguém
quanto mais vivesse mais velho ficasse, teria de ter nascido pronto e ir se gastando…”