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ID
5640346
Banca
UFRJ
Órgão
UFRJ
Ano
2021
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

FUGA

        Mal colocou o papel na máquina, o menino começou a empurrar uma cadeira pela sala, fazendo um barulho infernal.

        — Para com esse barulho, meu filho — falou, sem se voltar.

       Com três anos, já sabia reagir como homem ao impacto das grandes injustiças paternas: não estava fazendo barulho, estava só empurrando uma cadeira.

        — Pois então para de empurrar a cadeira.

        — Eu vou embora — foi a resposta.

        Distraído, o pai não reparou que ele juntava ação às palavras, no ato de juntar do chão suas coisinhas, enrolando-as num pedaço de pano. Era a sua bagagem: um caminhão de plástico com apenas três rodas, um resto de biscoito, uma chave (onde diabo meteram a chave da despensa? a mãe mais tarde irá dizer), metade de uma tesourinha enferrujada, sua única arma para a grande aventura, um botão amarrado num barbante.

        A calma que baixou então na sala era vagamente inquietante. De repente o pai olhou ao redor e não viu o menino. Deu com a porta da rua aberta, correu até o portão:

       — Viu um menino saindo desta casa? — gritou para o operário que descansava diante da obra, do outro lado da rua, sentado no meio-fio.

       — Saiu agora mesmo com uma trouxinha — informou ele.

      Correu até a esquina e teve tempo de vê-lo ao longe, caminhando cabisbaixo ao longo do muro. A trouxa, arrastada no chão, ia deixando pelo caminho alguns de seus pertences: o botão, o pedaço de biscoito e — saíra de casa prevenido — uma moeda de um cruzeiro. Chamou-o, mas ele apertou o passinho e abriu a correr em direção à avenida, como disposto a atirar-se diante do ônibus que surgia à distância.

         — Meu filho, cuidado!

      O ônibus deu uma freada brusca, uma guinada para a esquerda, os pneus cantaram no asfalto. O menino, assustado, arrepiou carreira. O pai precipitou-se e o arrebanhou com o braço como um animalzinho:

          — Que susto você me passou, meu filho — e apertava-o contra o peito comovido.

         — Deixa eu descer, papai. Você está me machucando.

         Irresoluto, o pai pensava agora se não seria o caso de lhe dar umas palmadas:

          — Machucando, é? Fazer uma coisa dessas com seu pai.

        — Me larga. Eu quero ir embora. Trouxe-o para casa e o largou novamente na sala — tendo antes o cuidado de fechar a porta da rua e retirar a chave, como ele fizera com a da despensa.

          — Fique aí quietinho, está ouvindo? Papai está trabalhando.

          — Fico, mas vou empurrar esta cadeira.

           E o barulho recomeçou.

Fonte: SABINO, Fernando. Fuga. In: Os melhores contos. Rio de Janeiro: Record, 1986. p.122-123. 

“Distraído, o pai não reparou que ele juntava ação às palavras, no ato de juntar do chão suas coisinhas, enrolando-as num pedaço de pano.”. Assinale a afirmativa INCORRETA em relação a esse trecho do sexto parágrafo.

Alternativas
Comentários
  • predicativo do sujeito deslocado
  • CUIDADO!

    "DO CHÃO" é adjunto não objeto indireto!

  • CUIDADO

    A questão apresenta gabarito incorreto;

    Solicita-se indicação da assertiva incorreta acerca da passagem:

    “Distraído, o pai não reparou que ele juntava ação às palavras, no ato de juntar do chão suas coisinhas, enrolando-as num pedaço de pano.”

    A) A primeira vírgula é utilizada para marcar deslocamento de adjunto. 

    Correta. O termo "distraído", devidamente virgulado ao início da passagem, é forma adjetiva que cumpre função imprópria de adjunto adverbial causal.

    Não representa, por certo, valor predicativo, bastando para tal conclusão observar sua relação com a construção: o termo indica circunstância, podendo ser substituído por oração de valor adverbial causal, até mesmo demovida de sua posição original (Por estar distraído, o pai não... / O pai, por estar distraído, não... / O pai não reparou, por estar distraído,...).

    Se predicativo fosse, o termo não revelaria circunstância verbal, vez que sua relação estabelecer-se-ia de forma mais particular com o sujeito, e não com a ação.

    Sendo estrutura que revela circunstância da ação verbal (notadamente sua causa), é certo que o termo possui natureza de adjunto adverbial;

    B) O fato de o pai estar distraído, concentrado em seu trabalho, já havia sido apontado em momento anterior do texto.

    Correta. O fato pode ser observado em "...falou, sem se voltar";

    C) O segmento “ele juntava ação às palavras” mostra que o menino começava a agir conforme o que havia dito no texto.

    Correta. A expressão "juntar ação as palavras" indica que o sujeito realiza as ações que prometeu fazer;

    D) O gerúndio “enrolando-as” pode ser substituído pela estrutura “de modo a enrolá-las” sem que haja alteração nos sentidos do texto. 

    Correta. A passagem reduzida indica a finalidade da ação anterior, o motivo pelo qual a criança juntava suas coisas (para enrola-las em um pedaço de pano). A substituição pela estrutura indicada, igualmente indicativa de finalidade, é correta;

    E) A forma verbal “juntar” apresenta somente um complemento: “suas coisinhas”.

    Incorreta. Há dupla ocorrência da forma verbal "juntar" na passagem, não indicando a banca se a análise deve recair apenas sobre a primeira ou alcançar também a segunda. Na ausência de indicação, deve-se considerar também a segunda ocorrência, na qual temos presente transitividade direta e indireta (juntar algo a algo) havendo por certo mais de um complemento.

    Na ausência de outra opção incorreta, é opção óbvia de gabarito.

    Gabarito da banca na alternativa A

    Gabarito correto na alternativa E

  • Distraído é adjetivo.

    So pode ser: Adjunto adnominal ou Predicativo do sujeito.

    Adjunto normalmente é característica própria da pessoa, Predicativo característica temporária.

    Além disso, Adjunto deve estar junto ao nome, nao pode estar separado por vírgula,

  • Gabarito oficial da banca: Letra A.