O vôo da guará vermelha traz à tona momentos em que a sinestesia
e recursos gráficos e fônicos, mais recorrentes na poesia, têm liberdade
de se fazerem presentes na narrativa. Pode-se dizer que,
I - em “cores desmaiadas, manchadas, nas cores, todas as cores,
em trapos de vestir, em colchas e cortinas, almofadas desbotadas
e bonecas estropiadas,nos restos de tintas e papéis nas paredes
[...] cores de vida, fanada mas vida, ainda pulsante, cores
redobradas” (p. 15), é possível entender o chamar a atenção
para o vermelho que é presente em toda a obra, seja com o
significado de vida (paixão, desejo de viver), seja com o
significado de morte (ave/mulher ferida, condenada = guará
(vermelha), mulher (de vestido vermelho = prostituta).
II - em “Esta mulher saber ler!, leia mais, lia tudinho, me diga onde
está ‘guará’ e onde está ‘vermelha’ e ‘sangue’ e ‘espinhos’ e
‘penas’. Aqui, ali, acolá, Rosálio corre as linhas buscando a
guará vermelha nos espinheiros das letras até vê-la com clareza
distinguir luminosos, espinhos, penas e sangue” (p. 24), os
termos em destaque (guará, vermelho,sangue, espinhos, pena)
compõem um conciso inventário terminológico que induz o leitor
a entender que, articulados como se encontram, aludem à vida,
paixão e morte de Irene.
III - em “Rosálio olha intrigado tentando compreender que, quando
lê ‘avó’, por quê, quando lê ‘avô’, parece que alguma coisa
lembra-lhe a ave guará? A mulher ri da pergunta e lhe explica o
‘a’, o ‘v’, o ‘ó’, o ‘ô’, e o ‘e’ e ele fica deslumbrado com as letras
do abc” (p. 42), constrói-se uma harmonia fônica em que os
grafemas e os sons de ‘ave’, ‘avó’ e ‘avô’ são, poeticamente,
imaginados na seqüência “ave, avó, avô, guará”, jogo
lingüístico-poético que atualiza, na história contada, o título da
obra, disseminado ao longo da narrativa (ave – guará; avó/avô
– vôo, guará – ave de coloração vermelha);
Está(ão) correta(s) a(s) proposição(ões)