SóProvas


ID
5370997
Banca
CEV-URCA
Órgão
Prefeitura de Crato - CE
Ano
2021
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

A MORTE DOS GIRASSÓIS


    "Anoitecia, eu estava no jardim. Passou um vizinho e ficou me olhando, pálido demais até para o anoitecer. Tanto que cheguei a me virar para trás, quem sabe alguma coisa além de mim no jardim. Mas havia apenas os brincos-de princesa, a enredadeira subindo tenta pelos cordões, rosas cor-de-rosa, gladíolos desgrenhados. Eu disse oi, ele ficou mais pálido. Perguntei que-que foi, e ele enfim suspirou: "Me disseram no Bonfim que você morreu na Quinta-feira."Eu disse ou pensei em dizer ou de tal forma deveria ter dito que foi como se dissesse: "É verdade, morri sim. Isso que você está vendo é uma aparição, voltei porque não consigo me libertar do jardim, vou ficar aqui vagando feito Egum até desabrochar aquela rosa amarela plantada no dia de Oxum. Quando passar por lá no Bonfim diz que sim, que morri mesmo, e já faz tempo, lá por agosto do ano passado. Aproveita e avisa o pessoal que é ótimo aqui do outro lado: enfim um lugar sem baixo-astral."


    Acho que ele foi embora, ainda mais pálido. Ou eu fui, não importa. Mudando de assunto sem mudar propriamente, tenho aprendido muito com o jardim. Os girassóis, por exemplo, que vistos assim de fora parecem flores simples, fáceis, até um pouco brutas. Pois não são. Girassol leva tempo se preparando, cresce devagar enfrentando mil inimigos, formigas vorazes, caracóis do mal, ventos destruidores. Depois de meses, um dia pá! Lá está o botãozinho todo catita, parece que já vai abrir. Mas leva tempo, ele também, se produzindo. Eu cuidava, cuidava e nada. Viajei por quase um mês no verão, quando voltei, a casa tinha sido pintada, muro inclusive, e vários girassóis estavam quebrados. Fiquei uma fera. Gritei com o pintor: "Mas o senhor não sabe que as plantas sentem dor que nem a gente?"O homem ficou me olhando tão pálido quanto aquele vizinho.


    Não, ele não sabe, entendi. E fui cuidar do que restava, que é sempre o que se deve fazer. Porque tem outra coisa: girassol quando abre flor, geralmente despenca. O talo é frágil demais para a própria flor, compreende? Então, como se não suportasse a beleza que ele mesmo engendrou, cai por terra, exausto da própria criação esplêndida. Pois conheço poucas coisas mais esplêndidas, o adjetivo é esse, do que um girassol aberto. Alguns amarrei com cordões em estacas, mas havia um tão quebrado que nem dei muita atenção, parecia não valer a pena. Só o apoiei numa espada-de-são-jorge com jeito, e entreguei a Deus. Pois no dia seguinte, lá estava ele todo meio empinado de novo, tortíssimo, mas dispensando o apoio da espada. Foi crescendo assim precário, feinho, fragilíssimo.


    Quando parecia quase bom, cráu! Veio uma chuva medonha e deitou-se por terra. Pela manhã estava todo enlameado, mas firme. Aí me veio a idéia: cortei-o com cuidado e coloquei-o aos pés do Buda chinês de mãos quebradas que herdei de Vicente Pereira. Estava tão mal que o talo pendia cheio dos ângulos das fraturas, a flor ficava assim meio de cabeça baixa e de costas para o Buda.


    Não havia como endireitá-lo. 


    Na manhã seguinte, juro, ele havia feito um giro completo sobre o próprio eixo e estava com a corola toda aberta, iluminada, voltada exatamente para o sorriso do Buda. Os dois pareciam sorrir um para o outro. Um com o talo torto, outro com as mãos quebradas. Durou pouco, girassol dura pouco, uns três dias. Então peguei e joguei-o pétala por pétala, depois o talo e a corola entre as alamandas da sacada, para que caíssem no canteiro lá embaixo e voltassem a ser pó, húmus misturado à terra, depois não sei ao certo, voltasse à tona fazendo parte de uma rosa, palma-de-santa-rita, lírio ou azaleia, vai saber que tramas armam as raízes lá embaixo no escuro, em segredo. Ah, pede-se não enviar flores. Pois como eu ia dizendo, depois que comecei a cuidar do jardim aprendi tanta coisa, uma delas é que não se deve decretar a morte de um girassol antes do tempo, compreendeu? Algumas pessoas acho que nunca. Mas não é para essas que escrevo. "


(FONTE: https://contobrasileiro.com.br/a-morte-dos-girassois-conto-de-caio-fernando-abreu/)

Na frase "Não havia como endireitá-lo", a partícula "lo " é classificada como:

Alternativas
Comentários
  • Gabarito na alternativa B

    Solicita-se classificação do termo destacado em:

    "Não havia como endireitá-lo"

    A banca mistura a classificação morfológica do termo com a posição que assume em relação ao verbo.

    O termo é pronome oblíquo átono, encontrando-se enclítico ao verbo.

  • Conforme sua posição junto ao verbo, os pronomes oblíquos átonos podem ser proclíticos (antepostos ao verbo), mesoclíticos (intercalados no verbo) e enclíticos (pospostos ao verbo).

    .

    BIZU PARA NÃO ESQUECER:

    Próclise - o pronome é colocado antes do verbo. (P de primeiro que o verbo);

    Ex.: Ninguém me disse isso / Isso me lembra algo.

    .

    Mesóclise - o pronome é colocado no meio do verbo. (M de meio do verbo);

    Ex.: Orgulhar-me-ei dos meus alunos / Pentear-te-ia / Ouvir-te-ei.

    .

    Ênclise - o pronome é colocado depois do verbo. (E de enfim, após o verbo).

    Ex.: Depois de terminar, chamem-nos. /  Fiz-lhe a pessoa mais feliz do mundo.

    @mferreirainstituto

  • .

  • GABARITO: B

    Próclise: antes do verbo. Sem hífen

    Ênclise: depois do verbo. Com um hífen

    Mesóclise: 2 hífen.

  • Assertiva B

    Não havia como endireitá-lo" = Pronome Enclítico

  • Através da análise sintática verifica-se que apesar de existir palavra negativa que na forma padrão exigiria uma próclise, essa se relaciona com "modo" , e não com a ação de endireitar, liberando assim o pronome obliquo átono para a ênclise.

  • Gab: B

    O termo é um pronome enclítico que exerce função de objeto direto.

    ''Nem so de pao vive o homem, mas de toda palavra que vem da boca de Deus.''

  • Esta questão avalia os conhecimentos que o candidato possui acerca do emprego dos pronomes.

    O enunciado nos coloca a seguinte situação: Na frase "Não havia como endireitá-lo", a partícula "lo" é classificada como:

    A) Pronome oblíquo tônico depois de verbo auxiliar.

    Incorreta. “Lo", de fato, é um pronome oblíquo átono que deve ser usado após verbos terminados em R, S e Z. Porém, na frase colocada pelo enunciado não há verbo auxiliar. Os verbos auxiliares são aqueles que auxiliam na conjugação de outros verbos e por isso recebem esse nome. Eles se unem ao verbo principal na formação dos tempos compostos e das locuções verbais.

    B) Pronome Enclítico.

    Correta. Os pronomes enclíticos são os pronomes oblíquos posicionados após o verbo, exatamente como ocorre na frase colocada pelo enunciado. E notem que o verbo em questão (“endireitar") termina com R, situação que requer a presença do pronome oblíquo “lo".

    C) Verbo seguido de gerúndio.

    Incorreta. Gerúndio é a forma nominal do verbo que indica continuidade. Assim, ele mostra o desenvolvimento de uma ação em andamento ou duradoura, como “cantando", “rindo", “andando". Na frase colocada pelo enunciado não há gerúndio.

    D) Locução verbal. Incorreta.

    As locuções verbais são uma sequência de dois ou mais verbos que, juntos, exercem a função morfológica de um só verbo. Elas são formadas por um ou mais verbos auxiliares e um verbo principal. No caso da frase colocada pelo enunciado até existem dois verbos (“haver" e “endireitar"), mas eles não estão em sequência.

    E) Preposição.

    Incorreta. “Lo" não é uma preposição.

    Gabarito do Professor: Letra B.