A crise de ser amada/odiada demais*
Um dia eu estava correndo pelas ruas de Ipanema à noite, sozinha, indo
encontrar Caio para ir ao aniversário de alguém, quando escuto um "Jout Jout?" muito
inesperado atrás de mim. Virei imediatamente:
- Eu! - e corri para o abraço.
Era uma menina, Maria Cláudia, com o namorado e seu gato, que tinha acabado de
cair da janela. Eles estavam voltando do veterinário.
A gente se amou, falei que era minha primeira vez, falamos dos meus vídeos e nos
despedimos. Saí correndo ainda mais rápido para contar a Caio que coisa maravilhosa
havia acontecido. Cheguei ofegante, aos pulos:
- Caio! Fui reconhecida na rua!
Celebramos horrores aquele dia.
Um tempo se passou, fui fazendo mais vídeos e sendo reconhecida na rua de
vez em quando. Ficava toda boba, tirava foto, contava para todo mundo, minha mãe
achava o máximo. Reconhecimento! O que todo bom trabalhador quer.
Chega então o vídeo do batom vermelho, mais inscritos no canal, mais amigos
no Facebook, mais seguidores no Instagram. E-mails que eu não dava conta de
responder, mensagens das mais lindas às mais assustadoras. Todo dia eu derretia de
amor por algum e-mail que me dizia que eu estava fazendo alguém muito feliz mundo
afora. Nas ruas, cada vez mais selfies. Até que uma menina me viu e me abraçou
tremendo dos pés à cabeça. E outra, além de tremer, chorou.
Quando uma pessoa que você não conhece chora ao te encontrar, passam uns
pensamentos na sua cabeça. Trata-se de um amor tão intenso que a pessoa chora.
Esse é um tipo de amor que vicia. Alguém idolatrando você sem ter conversado cinco
minutos com você? Viciante. E para uma pisciana que busca tanto ser amada isso é
um prato cheio. Até você deixar sua vaidade de lado um pouquinho e notar que essa
pessoa, na verdade, não pode amar você. Ou não pode amar de um jeito confiável.
Melhor: não dá para você ficar dependendo desse amor tanto assim.
É claro que eu amo que me amem, e eu amo que amem meu trabalho, mas será
que essa pessoa me amaria dessa forma se passasse um fim de semana na serra
comigo? Ou ela iria querer me matar? Ou ia ficar indiferente a mim? As pessoas
geralmente têm um contato semanal comigo, editado, por não mais do que vinte
minutos, e isso basta para despertar amor, ódio ou indiferença. Quando se trata do
primeiro caso, é o tipo de sentimento fácil de ganhar e difícil de manter. Uma bolinha
fora, uma frase que machuca alguém de alguma forma que você jamais imaginaria
transforma aquele amor profundo na mais terrível decepção. Se sua mãe fala uma
coisa que você não gosta, você bate a porta e no dia seguinte já ama ela de novo. Se
uma youtuber que você idolatra magoa você, não tem volta. O que nos traz de volta ao "não dá para depender muito desse amor". E nem do ódio, aliás (essa é a parte
boa). Se alguém na internet odeia você, geralmente é porque não gostou da sua
orelha ou do seu sotaque ou da sua opinião sobre um assunto. Não dá para confiar
nesse ódio também. Às vezes, no fim de semana na serra, essa pessoa ia querer
casar com você e ter uma penca de filhos. Vai saber. Como meu analista disse uma
vez: "Não importa, você não está nisso para angariar amor". Tapa na cara atrás de
tapa na cara.
*JOUT, jout. Tá todo mundo mal: o livro das crises. São Paulo: Companhia das letras, 2016.
No trecho, “É claro que eu amo que me amem, e eu amo que amem meu
trabalho, mas será que essa pessoa me amaria dessa forma se passasse um fim de
semana na serra comigo?”(L.27), a frase interrogativa sugere: