- ID
- 829291
- Banca
- CESGRANRIO
- Órgão
- Innova
- Ano
- 2012
- Provas
-
- CESGRANRIO - 2012 - Innova - Técnico de Administração e Controle Júnior
- CESGRANRIO - 2012 - Innova - Técnico de Manutenção Júnior - Elétrica
- CESGRANRIO - 2012 - Innova - Técnico de Manutenção Júnior - Mecânica
- CESGRANRIO - 2012 - Innova - Técnico de Operação Júnior
- CESGRANRIO - 2012 - Innova - Técnico de Segurança Júnior
- CESGRANRIO - 2012 - Innova - Técnico Químico Júnior
- Disciplina
- Português
- Assuntos
A vida de um homem normal
Uma noite, voltando de metrô para casa, como
fazia cinco vezes por semana, onze meses por ano,
ele ouviu uma voz. Estava exausto, com o nó da gravata
frouxo no pescoço, o colarinho desabotoado, a
cabeça jogada para trás, o walkman a todo o volume
e os fones enterrados nos ouvidos. De repente, antes
mesmo de poder perceber a interrupção, a música
que vinha ouvindo cessou sem explicações e, ao
cabo de um breve silêncio, no lugar dela surgiu uma
voz que ele não sabia nem como, nem de quem, nem
de onde. Ergueu a cabeça. Olhou para os lados, para
os outros passageiros. Mas era só ele que a ouvia.
Falava aos seus ouvidos. Recompôs-se. A voz lhe
disse umas tantas coisas, que ele ouviu com atenção,
que era justamente o que ela pedia. Poderia ter cutucado
o vizinho de banco. Poderia ter saído do metrô
e corrido até em casa para anunciar o fato extraordinário
que acabara de acontecer. Poderia ter sido
tomado por louco e internado num hospício. Poderia
ter passado o resto da vida sob o efeito de tranquilizantes.
Poderia ter perdido o emprego e os amigos.
Poderia ter vivido à margem, isolado, abandonado
pela família, tentando convencer o mundo do que a
voz lhe dissera. Poderia não ter tido os filhos e os netos
que acabou tendo. Poderia ter fundado uma seita.
Poderia ter feito uma guerra. Poderia ter arregimentado
seus seguidores entre os mais simples, os mais
fracos e os mais idiotas. Poderia ter sido perseguido.
Poderia ter sido preso. Poderia ter sido assassinado,
crucificado, martirizado. Poderia vir a ser lembrado
séculos depois, como líder, profeta ou fanático. Tudo
por causa da voz. Mas entre os mandamentos que
ela lhe anunciou naquela primeira noite em que voltava
de metrô para casa, e que lhe repetiu ao longo
de mais cinquenta e tantos anos em que voltou de
metrô para casa, o mais peculiar foi que não a mencionasse
a ninguém, em hipótese alguma. E, como
ele a ouvia com atenção, ao longo desses cinquenta
e tantos anos nunca disse nada a ninguém, nem à
própria mulher quando chegou em casa da primeira
vez, muito menos aos filhos quando chegaram à
idade de saber as verdades do mundo. Acatou o que
lhe dizia a voz. Continuou a ouvi-la todos os dias,
sempre com atenção, mas para os outros era como
se nunca a tivesse ouvido, que era o que ela lhe pedia.
Morreu cinquenta e tantos anos depois de tê-la
ouvido pela primeira vez, sem que ninguém nunca
tenha sabido que a ouvia, e foi enterrado pelos filhos
e netos, que choraram em torno do túmulo a morte
de um homem normal.
CARVALHO, Bernardo. A vida de um homem normal. In: Boa companhia:
contos. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 11-12.
“Uma noite, voltando de metrô para casa, como fazia cinco vezes por semana, onze meses por ano, ele ouviu uma voz." (L.1-3). A partir da leitura do trecho anterior, depreende-se que o protagonista do texto