- ID
- 5159653
- Banca
- Instituto Excelência
- Órgão
- Prefeitura de Diorama - GO
- Ano
- 2019
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
MINEIRO DIANTE DO MAR
Affonso Romano de Sant'Anna
Me lembro dessa cena: um adolescente chegando ao Rio e o irmão lhe prevenindo: "Amanhã vou te apresentar o mar". Isto soava assim: amanhã vou te levar ao outro lado do mundo, amanhã te ofereço a Lua. Amanhã você já não será o mesmo homem.
E a cena continuou: resguardado pelo irmão mais velho,
que se assentou no banco do calçadão, o adolescente,
ousado e indefeso, caminha na areia para o primeiro
encontro com o mar. Ele não pisava na areia. Era um
oásis a caminhar. Ele não estava mais em Minas, mas
andava num campo de tulipas na Holanda. O mar, a
primeira vez, não é um rito que deixe um homem impune.
Algo nele vai-se aprofundar.
E o irmão lá atrás, respeitoso, era a sentinela, o sacerdote
que deixa o iniciante no limiar do sagrado, sabendo que
dali para a frente o outro terá que, sozinho, enfrentar o
dragão. E o dragão lá vinha soltando pelas narinas as
ondas verdes de verão. E o pequeno cavaleiro, destemido
e intimidado, tomou de uma espada ou pedaço de pau
qualquer para enfrentar a hidra que ondeava mil cabeças,
e convertendo a arma em caneta ou lápis, começou a
escrever na areia um texto que não terminará jamais. Que
é assim o ato de escrever: mais que um modo de se
postar diante do mar, é uma forma de domar as vagas do
presente convertendo-o num cristal passado.
Não, não enchi a garrafinha de água salgada para mostrar
aos vizinhos tímidos retidos nas montanhas, e fiz mal,
porque muitos morreram sem jamais terem visto o mar
que eu lhes trazia. Mas levei as conchas, é verdade, que
na mesa interior marulhavam lembranças de um luminoso
encontro de amor com o mar.
Certa vez um missionário branco pregava a negros
africanos, e ao convertê-los dizendo que Cristo havia
morrido por eles há dois mil anos, ouviu do chefe da tribo
a seguinte recriminação: "Então, ele morreu há dois mil
anos e só agora o senhor vem nos contar?" É a mesma
coisa com o mar, encontrá-lo assim numa tarde como
numa tarde se encontra o amor, é pensar: "Como pude
viver até hoje sem esse amor, como pude viver na
ausência do mar?".
[...]
Os cariocas vão achar estranho, mas devo lhes revelar:
carioca, com esse modo natural de ir à praia, desvaloriza o
mar. Ele vai ao mar com a sem-cerimônia que o mineiro
vai ao quintal. E o mar é mais que horta e quintal. É
quando atrás do verde-azul do instante o desejo se alucina
num cardume de flores no jardim. O mar é isso: é quando
os vagalhões das noites se arrebentam na aurora do sim.
[...]
O mar é o mestre da primeira vez e não para de ondear
suas lições. Nenhuma onda é a mesma onda. Nenhum
peixe o mesmo peixe. Nenhuma tarde a mesma tarde. O
mar é um morrer sucessivo e um viver permanente. Ele se
desfolha em ondas e não para de brotar. A contemplá-lo,
ao mesmo tempo sou jovem e envelheço.
O mar é recomeço.
Affonso Romano de Sant'Anna
O autor utiliza-se de várias metáforas para descrever o mar. Assinale a alternativa que NÃO corresponde a essa afirmativa: