- ID
- 1418200
- Banca
- CAIP-IMES
- Órgão
- Prefeitura de São Paulo - SP
- Ano
- 2014
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
Psiu! 
Na madrugada da última segunda, tive um sonho que no princípio parecia pesadelo. Não acho que nossa vida, quando  estamos despertos, envia  recados alarmantes que vão bater no nosso cérebro quando estivermos dormindo. O sono,  assim, seria um não descanso. Prefiro achar que a vida mental dos adormecidos  transforma  em  ficcionistas  todos os  humanos,  faz  de  todos  nós  criadores  de  enredos,  de  belas  ou  feias  histórias,  inventores  de  fábulas  como  qualquer  escritor, cineasta ou teatrólogo. Os sonhos são isso, contos mal costurados. 
Diria,  então,  que  na  segunda-feira  fui  autor  de  um  sonho  que  começou meio  estranho.  Eu  dirigia  um  carro,  e  não  costumo dirigir. Trânsito pesado. Atrás de mim, emitindo fortes luzes azuis pelos seus quatro lados visíveis, pela frente,  pelos  lados  e  por  cima,  uma  ambulância  pedia  passagem silenciosamente,  deslizando  por  entre  os  carros  como um  peixe no meio de um cardume. Silenciosa veio e silenciosa foi e logo atrás de mim luzes vermelhas girando anunciavam  novo peixe grande abrindo passagem naquele mar de silencioso cardume, um carro de bombeiros, que passou como  veio e foi indo, indo, até sumir lá adiante, silenciosamente. 
Sonhos não narram com lógica, emendam retalhos. Olhei para o lado, e o que vi? Um motorista pressionando irritado os  dois  lados  da  cruzeta  do  volante,  onde  fica  a buzina, pressionando  com  força  cada vez mais  desproporcional,  e  em  seguida esmurrando o miolo do volante sem conseguir tirar dele nenhum som, e outros motoristas o olhavam perplexos,  também incapazes de tirar som de sua buzina, mas conformados. O homem parecia estar passando por uma crise de  abstinência de alguma droga. Olhando-o mais atentamente, podia-se ver uma espuminha espessa nos cantos dos seus  lábios apertados.
De repente, lá estava eu dirigindo o carro e, ao mesmo tempo, manobrando uma retroescavadeira na obra de fundação  de um prédio, logo ali ao  lado; era eu mesmo, não havia dúvida, escavando, puxando terra, aplainando, enquanto um  bate-estacas martelava  sua  sonda  e  uma  serra  elétrica  cortava  caibros. Estranhamente,  não  escapava  nenhum  som  daquelas máquinas infernais. Estranhíssimo silêncio.  A aparente falta de lógica do sonho me transportou - voando! - até um posto de gasolina, onde dois donos daqueles  carros tunados com oito alto-falantes dentro de porta-malas escancarados gesticulavam perplexos, irados, desligando e  religando  cabos,  verificando  fusíveis  e  baterias,  sem  compreender  por  que  os  seus  tremendos  aparelhos  de  fazer  barulho  não  obedeciam  aos seus  comandos. Permaneciam mudos. Bandos  de  jovens  aguardavam  decepcionados  a  zoeira que, segundo parecia, não ia acontecer.
Já  então  eu  havia  percebido  que  era  o  silêncio,  incomum,  que  interligava  aqueles  fatos  e  conferia  ao  sono  uma  agradável  suavidade. De  cima,  voando,  vi  homens  correndo,  atirando  para  trás,  e  policiais  perseguindo-os,  atirando  também,  e  os  disparos  eram  visíveis, mas  silenciosos,  como  tudo  em  volta;  o  helicóptero  da  polícia  seguia  a  ação,  passou  por mim,  silencioso,  o  piloto me  fez  um  gesto  de  positivo,  admirando minhas manobras,  e  eu me  exibia  um  pouco, e era tudo suave, como costumam ser os sonhos em que voamos. 
Pousei, não há outra palavra, pousei sem provocar espanto num barzinho de calçada, famoso pelo tormento ruidoso que  a  jovem  freguesia  impõe  à  vizinhança. Coerentemente  com  a  lógica  do  sonho,  não  havia  conversa  alta,  palavrões,  gargalhadas vulgares, todos pareciam adequadamente civilizados. Tecemos sonhos assim, nas dobras do improvável.  Que estranho fenômeno teria feito os caminhões de lixo e os ônibus  trafegarem macios como gatos? Por que voavam  silenciosos como pássaros os jatos do aeroporto? Mão misteriosa havia baixado o volume de tudo. Psiu.  Súbito, um som alto, estridente; acordo: a campainha do telefone! Atendo, sobressaltado. É um trote:   - Acorda, cara! Hoje é o dia do silêncio! Ha-ha-ha-ha-ha! 
Ivan Ângelo - Veja São Paulo 11/mai/2012  
O texto lido é uma crônica porque é:    
I-  reflexivo e interpretativo, que parte de um assunto do cotidiano.
II-  subjetivo, pois apresenta a perspectiva do seu autor.   
III-  breve e surge sempre assinado numa página fixa de jornal, revista. 
IV-  objetivo do autor transmitir os contrastes do mundo em que vivemos, apresentando episódios reais ou fictícios.    
Estão corretos os itens: