ESCOLAS: ANALFABETISMO E CIDADANIA
Dal Marcondes
Nos últimos anos, crescem em diversos setores as críticas em relação ao modelo de educação
conhecido como "progressão continuada", no qual os alunos do ensino fundamental não
repetem de ano, mas são acompanhados ano a ano de acordo com sua capacidade cognitiva e
de aprendizagem. Esse sistema tornou relativamente comum que estudantes de séries
avançadas ainda apresentem dificuldades de alfabetização, mesmo estando em um período
em que já se espera um grau maior de conhecimento da língua.
Essa adequação entre série e aprendizagem é o modelo tradicional de ensino, pelo qual quem
não consegue apresentar um bom desempenho em provas não consegue passar de ano,
repetindo a mesma série no ano seguinte. Por muito tempo foi assim e isso se refletia em um
alto grau de abandono escolar. Crianças que não conseguiam acompanhar passavam a ter um
desequilíbrio entre a idade e a série correspondente, além de sofrer diversas formas de
bullying.
O modelo continuado foi adotado por diversos estados e cidades como uma forma de manter a
criança na escola. Ele parte de alguns princípios estruturantes, como o respeito ao ritmo de
aprendizagem de cada criança, no qual o acompanhamento pedagógico ajuda a reduzir a
defasagem. Mas tem um princípio que não tem sido levado em conta quando se faz críticas ao
modelo, que é o da socialização. Mesmo crianças com alto grau de dificuldade de
aprendizagem, que, por motivos diversos, muitas vezes alheios à vontade das crianças, como
subnutrição ou traumas, quando permanecem na escola durante o tempo normal, cumprindo
todas as séries, aprendem a conviver com outras pessoas e a construir relações que vão
ajudá-las a trabalhar e a viver melhor.
A opção da reprovação e do abandono escolar, por outro lado, coloca essas crianças na rua,
ao alcance da violência e do crime, crescendo discriminadas e muitas vezes ressentidas com a
sociedade que as abandonou. Certamente, o modelo da progressão continuada pode ser
melhorado e precisa de mais empenho por parte de gestores e educadores, mas a alternativa
da reprovação é mais danosa para a sociedade e para as crianças que não conseguem
acompanhar pari-passu o currículo escolar.
Portanto, antes de se fazer críticas a uma educação mais inclusiva, capaz de trabalhar
elementos de cidadania no longo prazo, é bom fazer uma reflexão sobre os péssimos impactos
de se lançar crianças à rua sem nenhuma estrutura de apoio. O tempo na escola, mesmo que
os resultados não possam ser medidos em aprendizagem objetiva, ajuda na formação de
cidadãos.
Disponível em: < http://www.cartacapital.com.br>. Acesso em: 13 mai. 2014.
GLOSSÁRIO
Pari-passu: expressão latina que significa "em igual passo", "simultaneamente", "ao mesmo
tempo".
Na discussão articulada no texto, depreende-se, como foco principal, defender,