- ID
- 5181943
- Banca
- Instituto Excelência
- Órgão
- DEMSUR
- Ano
- 2019
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
Leia o texto e responda a questão:
A liberdade e o consumo
Quantos morreram pela liberdade de sua pátria? Quantos
foram presos ou espancados pela liberdade de dizer o que
pensam? Quantos lutaram pela libertação dos escravos?
No plano intelectual, o tema da liberdade ocupa as
melhores cabeças, desde Platão e Sócrates, passando por
Santo Agostinho, Spinoza, Locke, Hobbes, Hegel, Kant,
Stuart Mill, Tolstoi e muitos outros. Como conciliar a
liberdade com a inevitável ação restritiva do Estado?
Como as liberdades essenciais se transformam em
direitos do cidadão? Essas questões puseram em choque
os melhores neurônios da filosofia, mas não foram as
únicas a galvanizar controvérsias.
Mas vivemos hoje em uma sociedade em que a maioria já
não sofre agressões a essas liberdades tão vitais, cuja
conquista ou reconquista desencadeou descomunais
energias físicas e intelectuais. Nosso apetite pela
liberdade se aburguesou. Foi atraído (corrompido?) pelas
tentações da sociedade de consumo.
O que é percebido como liberdade para um pacato
cidadão contemporâneo que vota, fala o que quer, vive
sob o manto da lei (ainda que capenga) e tem direito de
mover-se livremente?
O primeiro templo da liberdade burguesa é o
supermercado. Em que pesem as angustiantes restrições
do contracheque, são as prateleiras abundantemente
supridas que satisfazem a liberdade do consumo (não faz
muitas décadas, nas prateleiras dos nossos armazéns ora
faltava manteiga, ora leite, ora feijão). Não houve ideal
comunista que resistisse às tentações do supermercado.
Logo depois da queda do Muro de Berlim, comer uma
banana virou ícone da liberdade no Leste Europeu.
A segunda liberdade moderna é o transporte próprio.
BMW ou bicicleta, o que conta é a sensação de poder
sentar-se ao veículo e resolver em que direção partir.
Podemos até não ir a lugar algum, mas é gostoso saber
que há um veículo parado à porta, concedendo
permanentemente a liberdade de ir, seja aonde for.
Alguém já disse que a Vespa e a Lambretta tiraram o
fervor revolucionário que poderia ter levado a Itália ao
comunismo.
A terceira liberdade é a televisão. É a janela para o
mundo. É a liberdade de escolher os canais (restritos em
países totalitários), de ver um programa imbecil ou um
jogo, ou estar tão perto das notícias quanto um presidente
da República – que nos momentos dramáticos pode
assistir às mesmas cenas pela CNN. É estar próximo de
reis, heróis, criminosos, superatletas ou cafajestes
metamorfoseados em apresentadores de TV.
Uma ” liberdade ” recente é o telefone celular. É o gostinho
todo especial de ser capaz de falar com qualquer pessoa,
em qualquer momento, onde quer que se esteja.
Importante? Para algumas pessoas, é uma revolução no
cotidiano e na profissão. Para outras, é apenas o prazer
de saber que a distância não mais cerceia a comunicação,
por boba que seja.
Há ainda uma última liberdade, mais nova, ainda elitizada:
a internet e o correio eletrônico. É um correio sem as
peripécias e demoras do carteiro, instantâneo, sem
remorsos pelo tamanho da mensagem (que se dane o
destinatário do nosso attachmentmegabáitico) e que está
a nosso dispor, onde quer que estejamos. E acoplado a
ele vem a web, com sua cacofonia de informações,
excessivas e desencontradas, onde se compra e vende,
consomem-se filosofia e pornografia, arte e empulhação.
Causa certo desconforto intelectual ver substituídas por
objetos de consumo as discussões filosóficas sobre
liberdade e o heroísmo dos atos que levaram à sua
preservação em múltiplos domínios da existência humana.
Mas assim é a nossa natureza, só nos preocupamos com
o que não temos ou com o que está ameaçado. Se há um
consolo nisso, ele está no saber que a preeminência de
nossas liberdades consumistas marca a vitória de
havermos conquistado as outras liberdades, mais vitais.
Mas, infelizmente, deleitar-se com a alienação do
consumismo está fora do horizonte de muitos. E, se o
filósofo Joãozinho Trinta tem razão, não é por desdenhar
os luxos, mas por não poder desfrutá-los.
Cláudio de Moura Castro Veja 1712, 8/8/01
”Não houve ideal comunista que resistisse às
tentações do supermercado”.
O autor infere-nos a ideia de: