O Outro
Ele queria muito ser eleito. Não: ele precisava muito
ser eleito. Estava atrás de um emprego que lhe desse
um bom salário, mordomias e verbas para gastar na
contratação de assessores – além, claro, das múltiplas
oportunidades que, como vereador, teria.
O problema era arrumar votos. Não tinha amigos, não
era conhecido, nem sequer recebera um apelido pitoresco que pudesse usar na propaganda. Mas o pior
não era isso. O pior que combinava um visual péssimo
– baixinho, gordinho, careca – com uma congênita inabilidade para falar em público. Em desespero, resolveu
procurar um marqueteiro. Estava disposto a gastar uma
boa grana nisso, desde que pudesse adquirir uma nova
imagem, uma imagem capaz de garantir a eleição.
O marqueteiro, famoso, exigiu honorários salgados,
mas garantiu resultados. Que, de fato, não se fizeram
esperar. Em poucas semanas o candidato era outro.
Mais magro, mais alto (saltos especiais) com uma bela
peruca, parecia agora um galã de novela. Além disso,
transformara-se num fantástico orador, um orador
capaz de galvanizar o público com uma única frase.
Se foi eleito? Foi eleito com uma avalanche de votos.
O que representou um duplo alívio: de um lado, conquistava o cargo tão sonhado. De outro, podia deixar
de lado a peruca, os sapatos com saltos especiais e
a dieta. E também podia falar normalmente, no tom
meio fanhoso que o caracterizava.
E aí começaram as surpresas desagradáveis. Quando
foi tomar posse, ninguém o reconheceu. Mas como?
Então era aquele tipo charmoso, magnético, da tevê
e dos cartazes? Era ele sim, como o comprovou, mostrando a identidade.
Não foi a única contrariedade. Logo descobriu que,
como vereador, era péssimo: não sabia falar, não convencia ninguém, sequer era procurado por lobistas.
Bom mesmo, concluiu com amargura, era o Outro,
aquele que o marqueteiro tinha inventado. Aquele
sim podia fazer uma grande carreira, chegando quem
sabe à Presidência.
Mas onde estava o Outro? Só uma pessoa poderia ajudá-lo nessa busca, o marqueteiro. Só que o marqueteiro tinha sumido. Com o dinheiro ganho nas eleições
resolvera passar dois anos em alguma praia do Caribe.
Todas as noites o vereador sonha com o Outro. Vê-o
na Câmara, discursando, empolgando multidões. Mas
não sabe o que fazer para encontrá-lo. Sabe, sim, o
que dirá se isso um dia acontecer. E o que dirá, numa
voz fanhosa e emocionada, será: o senhor pode contar
com meu voto - para sempre.
(Moacyr Scliar. O imaginário cotidiano. São Paulo, Gaia, 2006)
Considere o trecho retirado do texto.
“Não foi a única contrariedade. Logo descobriu que,
como vereador, era péssimo: não sabia falar, não convencia ninguém, sequer era procurado por lobistas.
Bom mesmo, concluiu com amargura, era o Outro,
aquele que o marqueteiro tinha inventado”.
Avalie as afirmativas abaixo:
1. A palavra “não” em todos os seus usos tem a
mesma classificação morfológica e desempenha a mesma função sintática.
2. A palavra sublinhada exerce a mesma função
sintática desta sublinhada na frase: “Não foi
recebido, ninguém o atendeu”.
3. A frase “Logo descobriu” denota tempo; é, pois,
subordinada substantiva temporal.
4. A expressão “com amargura” é composta –
morfologicamente – por uma preposição e
um substantivo e exerce a função de adjunto
adverbial.
5. Nas duas vezes em que aparece, a palavra
“que” tem funções sintáticas diferentes, já que
em uma delas é pronome relativo.
Assinale a alternativa que indica todas as afirmativas
corretas.