TEXTO III
NADA VALE A PENA - A ESCRITA E O IMPOSSÍVEL
Apenas
Utilizada pelas principais culturas antigas para desenhar e escrever, a pena se transmuta
no universo do discurso. Parte destacada de um organismo vivo, ela se torna um instrumento que
não interessa a não ser pelas marcas que imprime sobre uma superfície, que aguarda esse ato.
A pena também se transmuta em dor, pois pode assumir o significado de castigo e sofrimento.
Forma de pagamento imposto devido à violação de uma lei, ela se torna uma saída através
do martírio de um para se haver com o Outro. Dá pena, mas também vale a pena, pois ganha valor
no pagamento de uma dívida.
Por derivação, encontramos outra acepção corrente do significante "pena", na língua
portuguesa. Trata-se de um sentido figurado, que remete a um modo pessoal, singular de realizar ou
executar algo, por exemplo: o estilo de escrita de um dado autor, sua unicidade. Trata-se de algo
que se repete, sempre o mesmo.
É surpreendente descobrir que estilo é também antônimo de confusão ou seja, da ação
de juntar, reunir, misturar (Houaiss, 2001). Nesse caso, na separação, estamos diante de outra saída
para a dívida, embora não sem dor, como testemunham escritores fingi(dores) das dores que de fato
sentem.
Da pena, chegamos à escrita, cuja etimologia remete ao latim scribère, que significa
marcar com estilo, cujo diminutivo é estilete (id. ibid.). Trata-se de um ferro pontudo utilizado para escrever nas tábuas enceradas e nos blocos de argila nos primórdios da escrita, ou seja, um antecessor
da pena.
O retorno do estilo, na pena e na escrita, é algo a ser notado. Marca pessoal de alguém
ou marca escrita sobre uma superfície, o estilo é tanto aquilo que escreve, quanto está sempre no escrito.
Nesse sentido, algo se repete no escrito e, ao mesmo tempo, separa, singulariza, desconfunde.
Há penas...
(CARREIRA, Alessandra Fernandes. Nada Vale a Pena - a Escrita e o Impossível. In. Leda Verdiani Tfouni (org.) Campinas, SP: Mercado de Letras,
2010, p. 17-18).
Observe o excerto para responder à questão, a seguir.
"Nesse caso, na separação, estamos diante
de outra saída para a dívida, embora
não sem dor, como testemunham escritores
fingi(dores) das dores que de fato
sentem."
A sequência em destaque configura um
recurso linguístico reconhecido como