Dieta do homem
Nas carteiras da escola me ensinaram, segundo o
sábio Claude Bernard, que o caráter absoluto da vitalidade é a nutrição: pois, onde ela existe, há vida; onde
se interrompe, há morte.
Mas não me disseram que, entre os animais humanos,
o lado que pende para a morte, por falta de nutrição, é
mais numeroso que o lado erguido para a vida.
Me ensinaram que os alimentos fornecem ao homem
os elementos constituintes da própria substância
humana; o homem é o alimento que ele come.
Mas não me disseram que existem homens aos
quais faltam os elementos que constituem o homem.
Homens incompletos, homens mutilados em sua
substância, homens deduzidos de certas propriedades
humanas fundamentais; homens vivendo o processo
de morte.
Me ensinaram, no delicado modo condicional, que,
sem o concurso de certos alimentos minerais e orgânicos, depressa a vida sobre a terra se extinguiria.
Mas não me disseram que, depressa, por toda a parte,
a vida se extingue, no duro modo indicativo.
Me ensinaram que o oxigênio é o primeiro elemento
indispensável.
Mas não me disseram que só o oxigênio é um bem
comum de toda a humanidade, salvo em minas e galerias, onde é escasso.
Me ensinaram que o carbono, o hidrogênio, o azoto, o
fósforo e outros minerais são decisivos à vitalidade da
célula.
Mas não me disseram (por óbvio, mas eu era um
estudante tão distraído) que aqueles elementos não
se encontram no ar que respiramos. E ainda que se
encontrem na terra, acaso digerida por uma criança,
seu poder de assimilação é nenhum.
Me ensinaram que há alimentos orgânicos ternários e
quaternários.
Mas não me disseram que dois terços de nossos
irmãos no mundo sofrem de fome.
Me ensinaram que os alimentos ternários, constituídos pelas gorduras e pelos hidratos de carbono, são,
superlativamente, importantíssimos.
Mas não me disseram que, em cem, dez homens estão,
a qualquer hora, às portas da inanição.
Me ensinaram que o ovo, o leite e a carne são alimentos extraordinários.
Mas não me disseram que, em certas regiões do
mundo, há homens que consomem ovos, leite e carne
acima das exigências da máquina humana.
Me ensinaram que a sensação de fome é acompanhada de contrações gástricas, uma espécie de cãibra no estômago; mas me disseram isso de maneira
impessoal, como se fosse apenas a dedução teórica de
um acidente possível.
Me ensinaram que as vitaminas são substâncias
influentes no crescimento e na saúde; quando elas
faltam, comparecem o escorbuto, o beribéri, a pelagra
e outras doenças.
Mas não me disseram nem onde, nem quantos padecem de avitaminoses.
Nas carteiras da escola me ensinaram muitas coisas.
Mas não me disseram coisas essenciais à condição de
homem.
O homem não fazia parte do programa.
Paulo Mendes Campos
Considere o trecho:
“… Me ensinaram, no delicado modo condicional, que,
sem o concurso de certos alimentos minerais e orgânicos, depressa a vida sobre a terra se extinguiria.
Mas “não me disseram que, depressa, por toda a parte,
a vida se extingue, no duro modo indicativo.”
Identifique abaixo as afirmativas verdadeiras ( V ) e as
falsas ( F ) em relação ao trecho.
( ) A frase: “A vida na terra se extinguirá com a
ausência de certos alimentos orgânicos” contrapõe o “modo condicional” dito no texto.
( ) Modo condicional e modo indicativo, no
contexto, apresentam ideias contrárias; este
apresenta uma possibilidade e aquele, uma
realidade.
( ) Passada a frase para o modo indicativo teríamos: “Se certos alimentos minerais e orgânicos deixarem de existir, depressa a vida na
terra se extinguirá”.
( ) O modo imperativo é, essencialmente, usado
em contextos de interlocução, o que justifica a
não existência da primeira pessoa do singular.
( ) O pronome oblíquo “me” está sendo usado de
maneira incorreta, nesse trecho e ao longo do
texto, se considerada a linguagem formal.
Assinale a alternativa que indica a sequência correta,
de cima para baixo.