A Amazônia é o centro do mundo
Eu
quero começar lembrando onde nós estamos. E quero lembrar que nós estamos no
centro do mundo. Essa não é uma frase retórica. Também não é uma tentativa de
construir uma frase de efeito. No momento em que o planeta vive o colapso
climático, a floresta Amazônica é efetivamente o centro do mundo. Ou, pelo
menos, é um dos principais centros do mundo. Se não compreendermos isso, não há
como enfrentar o desafio do clima.
Esta
é justamente a razão de colocarmos o nosso corpo aqui, nesta cidade, Manaus,
capital do Amazonas, estado do Brasil, país que abriga cerca de 60% da
Amazônia. Manaus é tanto uma floresta em ruínas como as ruínas de uma ideia de
país. Manaus pode ser vista como a escultura viva de um conflito iniciado em
1500, com a invasão europeia que causou a morte de centenas de milhares de
homens e mulheres indígenas e a extinção de dezenas de povos. Neste momento, em
2019, testemunhamos o início de um novo e desastroso capítulo.
O
Brasil é um grande construtor de ruínas. O Brasil constrói ruínas em dimensões
continentais desde que começou a ser inventado pelos europeus no século 16.
Para sermos capazes de resistir nós precisamos nos tornar floresta — e resistir
como floresta. Como floresta que sabe que carrega consigo as ruínas, que
carrega consigo tanto o que é quanto o que deixou de ser. Parece-me que é a
esse sentimento afetivo que precisamos dar forma para dar sentido à nossa ação.
Para isso temos que deslocar algumas placas tectônicas de nosso próprio
pensamento. Temos que descolonizar a nós mesmos.
O
fato de a Amazônia ainda ser vista como um longe e também — ou principalmente —
como uma periferia dá a dimensão da estupidez da cultura ocidental branca, de
matriz primeiro europeia e depois norte-americana, essa estupidez que molda e
dá forma às elites políticas e econômicas do mundo e também do Brasil. E, em
parte, também às elites intelectuais do Brasil e do planeta. Acreditar que a
Amazônia é longe e que a Amazônia é periferia, quando qualquer possibilidade de
controle do aquecimento global só é possível com a floresta viva, é uma
ignorância de proporções continentais. A floresta é o perto mais perto que
todos nós aqui temos. E o fato de muitos de nós nos sentirmos longe quando aqui
estamos só mostra o quanto o nosso olhar está contaminado, formatado e
distorcido. Colonizado.
Dias
atrás eu conversava com procuradores e defensores públicos que chegaram há
pouco em cidades do interior amazônico. Era o primeiro posto deles. Porque essa
é a lógica. A Amazônia é o epicentro dos conflitos, mas, para fiscalizar o
Estado e defender os direitos dos maisdesamparados, as instituições mandam
os sem nenhuma experiência. Alguns deles — não todos — interpretam que estão
sendo enviados a uma região amazônica como um teste ou mesmo um castigo, um
calvário que precisam passar antes de ter um posto “decente”. Parte deles — não
todos — não vê a hora de ter o que é chamado de “remoção” e deixar essa bad
trip para trás. E não é culpa deles, ou não é só culpa deles, porque
essa é a lógica das instituições, este é o olhar para a Amazônia. Felizmente
alguns deles percebem à importância do seu papel, aprendem, compreendem,
permanecem e se tornam servidores públicos essenciais para a luta pelos direitos
em regiões onde os direitos pouco ou nada valem.
Lembrei
a eles que, como eu, eram privilegiados. Eles estavam justamente no centro do
mundo. Eles estavam no melhor lugar para se estar para quem tinha escolhido
aquela profissão. Mas teriam que se esforçar muito para superar a sua
ignorância, como eu me esforço todos os dias para superar a minha. Era a
população local, eram os povos da floresta que teriam de ter enorme paciência
para explicar a eles o que precisam saber, já que pouco ou nada sabem quando
aqui chegam. O mesmo princípio vale para jornalistas e também para cientistas.
Somos
nós que precisamos da ajuda dos povos da floresta. É deles o conhecimento sobre
como viver apesar das ruínas. São eles os que têm experiência sobre como
resistir às grandes forças de destruição. Para que tenhamos alguma chance de
produzir movimento de resistência precisamos compreender que, nesta luta, nós
não somos os protagonistas.
(Texto especialmente adaptado para esta prova.
Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/08/09/opinion/1565386635_3112
70.html. Acesso em: 12/12/2019.)
Quanto à utilização da crase, considere as seguintes
afirmações:
I. No excerto “Parte deles — não todos — não vê a hora de
ter o que é chamado de “remoção” e deixar essa bad trip
para trás.” (5º§), o elemento sublinhado não recebe
acento indicativo de crase porque o verbo “ver” é
transitivo direto, não requisitando o emprego de
preposição. Nesse caso, somente o artigo definido “a”
figura diante do substantivo “hora”.
II. No trecho “Felizmente alguns deles percebem à importância
do seu papel, aprendem, compreendem, permanecem e se
tornam servidores públicos essenciais para a luta pelos
direitos em regiões onde os direitos pouco ou nada valem.”
(5º§), o elemento sublinhado recebe acento indicativo de
crase porque o verbo “perceber” é transitivo indireto,
requisitando o emprego da preposição “a”, que, ao se juntar
ao artigo definido “a”, forma “à”.
É correto assinalar que: