- ID
- 3162199
- Banca
- VUNESP
- Órgão
- AresPCJ - SP
- Ano
- 2018
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
Leia o texto para responder à questão.
Uma carta de Yaqub, pontual, chegava de São Paulo no
fim de cada mês. Zana fazia da leitura um ritual, lia como
quem lê um salmo; a dicção, emocionada, alternava com
uma pausa, como se quisesse escutar a voz do filho distante.
Halim convidava os vizinhos e a leitura era pretexto para um
jantar festivo. Sem festa, Zana ficaria deprimida, pensando
no frio que o filho sentia, coitadinho, na solidão das noites
num quarto úmido da Pensão Veneza, no centro de São Paulo. Com poucas palavras, Yaqub pintava o ritmo de sua vida
paulistana. A solidão e o frio não o incomodavam; comentava os estudos, a perturbação da metrópole, a seriedade e a
devoção das pessoas ao trabalho. De vez em quando, ao
atravessar a praça da República, parava para contemplar a
imensa seringueira. Gostou de ver a árvore amazônica no
centro de São Paulo, mas nunca mais a mencionou.
As cartas iam revelando um fascínio por uma vida nova,
o ritmo dos desgarrados da família que vivem só. Agora não
morava numa aldeia, mas numa metrópole.
“Meu filho paulista”, brincava Zana, orgulhosa e preocupada ao mesmo tempo. Temia que Yaqub nunca mais voltasse. No sexto mês de vida paulistana começou a lecionar
matemática. Abreviou as cartas, dois ou três parágrafos
curtos, ou apenas um: mero sinal de vida e uma notícia que
justificava a carta. Assim, sem alarde, quase em surdina, o
jovem professor Yaqub noticiou seu ingresso na Universidade
de São Paulo. Não ia ser matemático, ia ser engenheiro. Um
politécnico, calculista de estruturas. Zana não entendeu direito o significado da futura profissão do filho, mas engenheiro
já bastava, e era muito. Um doutor. Os pais mandaram-lhe
dinheiro e um telegrama; ele agradeceu as belas palavras e
devolveu o dinheiro. Entenderam que o filho nunca mais precisaria de um vintém. Mesmo se precisasse, não lhes pediria.
As cartas rareavam e as notícias de São Paulo pareciam
sinais de um outro mundo. O pouco que ele revelava não justificava o barulho que se fazia em casa. Um bilhete com palavras
vagas podia originar um festejo. Zana aderiu à comemoração,
que no início era mensal e depois foi rareando, de modo que
as poucas linhas enviadas por Yaqub passavam por Manaus
como um cometa de brilho pálido. Os acenos intermitentes da
metrópole: o dia a dia na Pensão Veneza, os cinemas da São
João, os passeios de bonde, o burburinho do viaduto do Chá
e os sisudos mestres engravatados, venerados por Yaqub. Na
primeira foto que enviou, trajava paletó e gravata e tinha o ar
posudo que lembrava o espadachim no desfile da Independência.
“Como está diferente daquele montanhês que vi no Rio”,
comentou Halim, mirando a imagem do filho.
“O montanhês é o teu filho”, disse Zana. “O meu é outro,
é esse futuro doutor em frente do Teatro Municipal.”
(Milton Hatoum. Dois Irmãos. Companhia das Letras, 2000. Adaptado)
De acordo com o que se afirma no texto, conclui-se que