Palavras, palavras, palavras
Criadas pelos humanos, as palavras são
suscetíveis ao tempo, como os humanos. Algumas
mudam de significado, outras vão desbotando aos
poucos, e há as que morrem na inanição do silêncio.
Ninguém mais chama o libertino de bilontra, a amante
de traviata ou o inocente de cândido. Depois de soar
na boca do povo e iluminar a escrita, bilontra, traviata
e cândido foram sepultadas nos dicionários junto as
que lá descansavam em paz. Em seus lugares
brotam novas, frescas e saltitantes, com significado
igual - ou quase. A língua é a mais genuína criação
coletiva, feita da contribuição anônima. O agito das
palavras traduz as mudanças do mundo - na ciência
e tecnologia, na economia e política, nas leis e
religiões, no comércio e publicidade, no esporte e
comunicação, nos costumes e valores.
[...]
Faz tempo não ouço a palavra cavalheirismo.
Parece que a igualdade de direitos das mulheres
botou fora o bebê, a água do banho e a bacia. Lá se
foram também delicadeza e cordialidade: louvadas
no passado, antes de sumir viraram sinônimo de
perda de tempo. Pessoa cordial passou a ser chata,
cheia de frescura, pé-no-saco, puxa-saco. Cortesia
não morreu, mas mudou: agora quer dizer brinde,
boca-livre, promoção! Crimes tem cúmplices, mas é
rara a cumplicidade entre casais.
[...]
Se as palavras morrem ou mudam de sentido, os
gestos, intenções e atitudes que designam também
morrem ou mudam de sentido. Cabe indagar: que
sociedade é essa que sepulta o cavalheirismo, a
delicadeza, a cordialidade e a compaixão? Que gente
é essa que enterra a honra? Que país é esse que
esvazia valores como educação e ética e faz da
cortesia um gesto interesseiro? Que confere respeito
e perdão aos poderosos e impõe aos destituídos o
dever e o sacrifício?
Criadas pelos homens, palavras são do humano.
Intriga sejam justamente as que dizem o mais humano do humano a perderem o sentido ou
morrerem. Ou será que estamos perdendo o prazer
da convivência? Ah, palavras, palavras, palavras...
ARAÚJO, Alcione. Palavras, palavras, palavras. Estado de
Minas, Belo Horizonte, 05 jul. 2010. Caderno Cultura, p. 8.
Adaptado.
O texto convida-nos a refletir acerca do sentido das
palavras, sobretudo, no contexto social. Explora-se
constantemente o sentido da palavra, a figuração de
linguagem, a relação semântica dos vocábulos.
Entretanto, fenômenos de base morfológica, como os
processos de formação das palavras, não são
apontados pela autora. Para isso, tomemos como
objeto as palavras “PUXA-SACO" e “PÉ-NO-SACO”,
utilizadas no texto. Nesse sentido, marque a
alternativa que corresponde, respectivamente, ao
processo de formação das palavras destacadas: