E, bem pensado, mesmo na sua pureza, o que vinha a ser a Pátria? Não teria levado toda a
sua vida norteado por uma ilusão, por uma ideia a menos, sem base, sem apoio, por um Deus
ou uma deusa cujo império se esvaía? Não sabia que essa ideia nascera da amplificação da
crendice dos povos greco-romanos de que os ancestrais mortos continuariam a viver como
sombras e era preciso alimentá-las para que eles não perseguissem os descendentes? (...)
Reviu a história; viu as mutilações, os acréscimos em todos os países históricos e perguntou
de si para si: como um homem que vivesse quatro séculos, sendo francês, inglês, italiano,
alemão, podia sentir a Pátria?
Uma hora, para o francês, o Franco-Condado era terra dos seus avós, outra não era; num dado
momento, a Alsácia não era, depois era e afinal não vinha a ser. Nós mesmos [brasileiros] não
tivemos a Cisplatina e não a perdemos?
(...) Certamente era uma noção sem consistência racional e precisava ser revista.
Lima Barreto
Triste Fim de Policarpo Quaresma, parte III, capítulo V.
No romance Triste Fim de Policarpo Quaresma, Lima Barreto abordou contradições da
sociedade brasileira do início do período republicano.
Nesse contexto, na reflexão que faz no trecho citado, o personagem Major Quaresma ressalta
um entendimento em que a noção de pátria pode ser definida atualmente como: