TEXTO 1
Os fatos linguísticos sempre estiveram misturados à história dos povos, a seus esforços de
expansão e dominação territorial e política, a suas lutas pela hegemonia cultural, a seus intentos
proselitistas, a suas necessidades retóricas; enfim, as línguas foram recebendo tratamentos diversos,
conforme as também diversas condições sociais e políticas dos grupos, que as tinham como marca de sua
identidade.
Não estranha, portanto, que, historicamente, as questões linguísticas tenham servido a interesses
muito diversos e, de acordo com esses interesses, tenham sido vistas em óticas bastante diferentes. “Toda
língua são rastros de velhos mistérios”, lembra Guimarães Rosa.
Se isso é verdade, considerando-se a língua como um todo, é mais verdade ainda entre nós,
ocidentais, em relação à gramática, em geral. De fato, herdamos dos gregos a concepção da gramática, em
todas as acepções, como uma força controladora que preserva a língua contra as possíveis ameaças de
desaparecimento ou até mesmo de declínio, seja pela ação de invasores, seja pela ação dos próprios
membros da comunidade de falantes.
Na verdade, as pessoas sempre sentiram certa compulsão para defender a integridade de sua língua.
Ou, de acordo com certas visões, sua pureza ou seu poder de argumentação. Nada mais apropriado para
esses intentos do que a compilação de gramáticas, que estabelecessem paradigmas, modelos, normas,
capazes de garantir a manutenção da identidade linguística.
Noutras palavras, se fez necessário, para as comunidades de falantes, um instrumento de controle –
a gramática normativa – que disciplinasse o fluxo da própria língua, garantindo sua sobrevivência ou
aperfeiçoando suas potencialidades de uso em função dos efeitos retóricos pretendidos.
Nesse quadro, a criação de paradigmas e modelos em gramáticas foi assumindo feições próprias e
constituindo uma garantia de vida e de sucesso para as línguas, sem nunca se ter ausentado totalmente.
Nem mesmo quando já não eram tão evidentes as ameaças de desaparecimento ou de descaracterização de
seus usos mais modelares.
Em suma, foi sendo atribuído aos compêndios de gramática um papel de instrumento controlador
da língua, ao qual caberia conduzir o comportamento verbal dos usuários, pela imposição de modelos ou
de padrões. Mas não foi apenas a função de controle atribuída à gramática que fez com que os estudiosos
se interessassem por ela. Sob ângulos bem diferentes, as pessoas sempre se mostraram curiosas por
entenderem a suprema prerrogativa da linguagem humana, e isso também motivou o interesse pelo
aparecimento de gramáticas, obras nas quais se tentasse explicitar os mecanismos subjacentes à atividade
verbal.
A encruzilhada de fatores tão complexos, historicamente submetidos a interesses políticos,
econômicos e sociais diferentes, resultou numa série de concepções e, com o passar dos séculos, deu
ensejo à formação de alguns equívocos acerca do que é a gramática e, consequentemente, daquilo que
deve constituir seu ensino.
Alguns equívocos mais recorrentes e com sérias repercussões para as atividades de ensino são as
crenças de que: língua e gramática são a mesma coisa; basta saber gramática para falar, ler e escrever com
sucesso; e toda atuação verbal tem que se pautar pela norma prestigiada.
ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho.
São Paulo: Parábola, 2007, p. 35-38. Adaptado.
Considerando a organização sintática de alguns enunciados do Texto 1, analise as proposições abaixo.
I. Em português, um sujeito pode ser colocado após seu predicado, como se observa no trecho: “Não
estranha, portanto, que, historicamente, as questões linguísticas tenham servido a interesses muito
diversos” (2º parágrafo), em que o predicado, destacado, introduz o enunciado, e seu sujeito está em
posição posposta.
II. No trecho: “Se isso é verdade, considerando-se a língua como um todo, é mais verdade ainda entre
nós, ocidentais, em relação à gramática, em geral.” (3º parágrafo), o termo destacado é um aposto
que cumpre a função de esclarecer, para o leitor, a quem o pronome “nós” faz referência.
III. No trecho: “Nada mais apropriado para esses intentos do que a compilação de gramáticas” (4º
parágrafo), o segmento destacado desempenha a função de complemento nominal, já que integra o
sentido do nome “compilação”.
IV. No trecho: “Noutras palavras, se fez necessário, para as comunidades de falantes, um instrumento de
controle” (5º parágrafo), a opção pela próclise revela que a autora optou por seguir um padrão muito
comum na variante brasileira do português.
Estão CORRETAS: