Educação hipster ou não?
Leandro Karnal, O Estado de S. Paulo
20 de fevereiro de 2019 | 02h00
O ano letivo engrena e chega a um novo momento
para pensar na imensa tarefa de educar. Se você é
mãe ou pai responsável, deve ter medo. Se você for
um professor de qualidade, pode estar apreensivo.
Quem sabe a responsabilidade da escola na
definição do futuro de alguém tem apreensões.
Não existe receita. Vamos trazer dados objetivos
para que cada mãe e cada pai, cada escola e cada
professor possam acrescentar sua visão de mundo
e complementar (ou contradizer) o que proponho a
seguir.
1) Alguém é educado da mesma maneira que
alguém peca na liturgia católica: “Por pensamentos
e palavras, atos e omissões”. Você educa pelo que
diz, pelo que omite, pelo que faz e até por
pensamentos, já que eles provocam marolas no
olhar ou são pais de gestos concretos. Ao dirigir,
você está educando um filho que está na cadeirinha
do banco de trás. Ao entrar na sala de aula, sua
roupa, seu tom de voz, sua postura, seu sorriso ou
seu azedume estão educando. O chamado
“currículo oculto” é, quase sempre, o mais
poderoso da educação.
2) Educação deve ser um equilíbrio entre o prazer
lúdico que produz muito conhecimento e, por
vezes, a insistência do esforço que não está
acompanhado de resultado imediato. Focar em
sorrisos 100% do tempo atende o aluno-consumidor e não ao ser humano maduro. É errado
supor que tudo deva ser sofrimento e equivocado
dizer que só tem valor quando fazemos com
gargalhadas. A “chatice” nunca é um bom projeto,
mas o gosto do esforço deve e pode ser
estimulado.
3) A sala de aula e as atividades culturais
declaradas são importantes, porém existe a
autonomia do indivíduo. O desejo de consumo, por
exemplo, é quase igual para todos os alunos ao
emergirem do Ensino Médio. Nenhuma aula disse
que o smartphone X era o melhor, mas o mundo
inteiro disse algo assim. Isso deve nos deixar um
pouco menos preocupados: fazemos muito, não
controlamos tudo. Nem todos os desejos e as
repulsas dos alunos derivam do gosto dos pais ou
da orientação dos professores.
4) Muitos pais de classe média e alta dão celulares
bem cedo para os filhos sob o argumento de que
“todos os colegas possuem um”. A ida para a
Disney segue lógica similar. Uma roupa da moda
acaba sendo imposta porque a criança/adolescente
ficaria deslocada/do em outro traje. Quem pensa
assim está produzindo uniformidade, time, torcida
ou batalhão militar. Uma parte do sucesso no futuro dependerá de autonomia, inteligência,
originalidade. Em resumo, querer tudo igual torna
seu filho e sua filha iguais em demasia e, como tal,
mais aptos à repetição. Ser “hipster” no sentido
original e positivo da palavra, é uma estratégia boa
de sucesso. Pensar de forma autônoma dá mais
futuro.
5) Se alguém de 14 anos fosse maduro e
equilibrado, soubesse aprender por si e fosse
sábio, pais e professores poderiam ser
dispensados. Um médico é procurado por doentes.
Educar é lidar com imaturidade, inconstância,
crises artificiais, egoísmos, narcisos feridos,
incapacidade de ver o outro e uma insegurança
brutal que se traveste de arrogância. Pais e mães
têm poder sobre os filhos porque os filhos
necessitam do poder. São seres únicos, ainda que
sejam na teoria e na prática incapazes
judicialmente. Professores estão ali para fazer parte
do processo longo, penoso e desgastante de
pressionar o carvão para que surja algum diamante.
É por serem difíceis que a criança e o jovem
necessitam de você.
6) Não cansarei de repetir: não educo para suprir
dores da minha educação, para sublimar o que ouvi
no passado ou para ressignificar minhas
frustrações. Educo um ser único, especial, parte da
minha biografia, todavia autônomo nas coisas boas
e ruins. Educo para o futuro, educo-me junto,
reaprendo valores, entendo que gerações
anteriores tinham vantagens e defeitos e, por fim,
pratico a suprema lição ecológica: amparar o
animal selvagem ferido é, exclusivamente, para
reinseri-lo na natureza. O grande objetivo de toda
educação é liberar o educando no mundo selvagem
e complicado. O cativeiro protege e imbeciliza. A
jaula é desejo de controle do proprietário,
raramente um anelo do bicho. Bichos/animais no
mesmo parágrafo que alunos e filhos? Se alguma
fera lê o Estadão eu peço desculpas. Foi um
pleonasmo didático.
7) Há pais, professores, mães e outros educadores
que criam fronteiras e regras bem demarcadas. Há
quem prefira laços mais frouxos. Há os que ligam
de meia em meia hora e há os que se controlam. As
linhas variam e dependem de muitos fatores. Só
existe uma questão que jovens não perdoarão no
futuro: a indiferença. Dá para superar um pai
controlador, difícil encarar o omisso. Educar é um
projeto enorme e duradouro. Já escrevi que há
mais gente fértil no mundo do que vocações
autênticas de pai e de mãe. Há mais gente com
diploma de licenciatura do que professores de
verdade. Sua linha pode variar. O que nunca será
esquecido é se você esteve presente, integral,
empenhado e com todo o seu corpo e alma no
momento. Pode errar junto, nunca distante.
A escola e a família podem muito, mas não podem
tudo. Você é responsável e seu papel fundamental,
todavia o mundo lhe excede, o futuro não lhe
pertence e o ser humano não é determinado pelos
pais e professores. Tente fazer o melhor, haverá
erros e lacunas enormes, mas tudo pode ser reparado se existiu um projeto genuíno de
estimular liberdade, conhecimento, curiosidade e
valores coerentes. O resto? Devemos dar uma
chance profissional a terapeutas e psicólogos. A
vida sempre será o maior professor de todos nós. É
preciso ter esperança.
FONTE: https://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,educacao-hipster-ou-nao,70002727727
Considerando a passagem “ (...) não educo para
suprir dores da minha educação, para sublimar o
que ouvi no passado ou para ressignificar minhas
frustrações. Educo um ser único, especial, parte da
minha biografia, todavia autônomo nas coisas boas
e ruins (...)”, se o autor optasse por dar um tom de
impessoalidade ao fragmento, teria a opção de usar
a voz passiva sintética – também chamada de
pronominal. Além disso, poderia pluralizar o termo
em destaque a fim de que ocorresse a
generalização e, assim, a ampliação do alcance
semântico e do poder argumentativo. Assinale a
alternativa reescrita dentro da norma-padrão,
seguindo essas orientações e mantendo o sentido
original.