CARRO: O CIGARRO DO SÉCULO 21?
Por Reinaldo Canto
Muita gente talvez não concorde. Pode ser também
que exista uma dose de exagero na afirmação. Ou
será que não? O certo é que temos observado um
inédito questionamento ao império do automóvel.
Soberano ao longo de muitos anos e cercado de
toda admiração. Assim foi a trajetória do carro.
Agora muitas vozes se levantam contra ele como
um grande problema, a perturbar a vida de todos.
Aliás, não parece estar ocorrendo um fenômeno
semelhante ao ocorrido com o cigarro no século
passado? Portanto, guardadas as devidas
proporções, será realmente loucura pensar que não
assistiremos no século 21 com os veículos de
transporte individual ao mesmo que ocorreu no
passado com o cigarro?
No passado, fumar representava um símbolo de
status, charme e elegância. Durante um bom
período, o consumo de cigarros foi objeto do
desejo de inúmeras gerações. Os muitos jovens até
arriscavam levar surras paternas se fossem pegos
no ato. Celebrizado, entre outros, por Clark Gable,
Cary Grant, Rita Hayworth, James Dean e Clint
Eastwood, os ícones do cinema entre os anos 40 e
60. Todo mundo que se prezava, naquela época,
fumava. E o que aconteceu com o passar do tempo
e os mais do que comprovados problemas
causados pelo cigarro? Quase a demonização do
ato de fumar!
Para as novas gerações, fica até difícil explicar que,
na maior parte do século 20, fumar em qualquer
lugar era a coisa mais comum do mundo. Em bares,
restaurantes e até mesmo dentro de
claustrofóbicos aviões, os fumantes viviam o auge
de seu vício com toda a liberdade. Hoje, todos nós
sabemos sobre os males causados pelo fumo,
inclusive para aqueles expostos à fumaça de
cigarros alheios, o chamado fumante involuntário.
Cigarro mata e ponto final!
A publicidade ainda tinha o desplante de vincular o
fumo à virilidade e à prática de atividades
esportivas. Uma barbaridade digna de criminosos!!
Não foi por outra razão que, posteriormente, a
propaganda de cigarros foi banida dos meios de
comunicação.
Bem, não dá para afirmar o mesmo em relação aos
carros, ou será que é possível fazer essa relação?
Dados divulgados pela ONG Saúde e
Sustentabilidade em parceria com vários
estudiosos, entre eles, o médico e pesquisador da
USP Paulo Saldiva, mostram que a poluição no
estado de São Paulo foi responsável pela morte de
quase 100 mil pessoas em seis anos. Só em 2011, a
pesquisa revelou que o ar contaminado, boa parte dele vindo de escapamentos de veículos, contribuiu
para a morte de mais de 17 mil e 400 pessoas. Esse
trabalho é o primeiro de abrangência estadual que
fez uma relação direta entre índices de poluição e
número de mortes. Portanto, temos aí uma relação
carro e saúde semelhante como no passado foi
feito entre cigarro e saúde.
Outro interessante ponto de convergência das
trajetórias do cigarro e do automóvel está
localizado no exercício de sua prática. Como disse
antes, fumar era algo exercido com total liberdade
até começarem a surgir diversas leis obrigando a
exercer o hábito a lugares pré-determinados e o
veto total a outros. Hoje em dia, o pobre fumante se
vê quase num ato clandestino e de banimento
social para poder dar algumas boas tragadas. Isso
em prol da saúde coletiva.
Em relação aos carros, algo parecido está em
processo acelerado de implantação. Recentemente,
a prefeitura de São Paulo definiu que a velocidade
máxima na cidade passou de 60 para 40
quilômetros por hora. A ação visa reduzir as mortes
de pedestres e ciclistas vitimados, entre outras
razões, pelo excesso de velocidade. Se somarmos
essa a outras medidas em vigor, como o rodízio de
veículos, a proibição de circular em faixas de
ônibus e as restrições para locais de
estacionamento, teremos aí mais exemplos de
coerção ao livre uso do carro, até pouco tempo
praticamente “dono” das ruas e avenidas das
cidades contra qualquer planejamento
minimamente civilizado de mobilidade urbana que
buscasse uma convivência pacífica com outros
usuários de transporte público, pedestres e
ciclistas.
Sonho da juventude. Quem, como eu, já entrou na
casa dos 50 anos de idade sabe bem o que um
garoto ou garota de minha época sonhava em ter
os 18 anos. Até outras gerações posteriores
enxergavam e ainda enxergam no fato de ter um
carro o alcance definitivo do mundo adulto e da
independência. Isso, claro, ainda não mudou, mas
parece ir por um caminho bem diferente.
Uma tendência observada em pesquisas realizadas
na Inglaterra e nos Estados Unidos é que os jovens
desses países já não possuem o mesmo desejo por
veículos particulares. Eles acham mais interessante
utilizar transporte público, como ônibus e metrô, e
até mesmo andar de bicicleta. As pesquisas
mostram que eles não estão dispostos a gastar boa
parte de seus recursos na manutenção de um
automóvel. E, além de mais barato, também
consideram mais saudável o uso cotidiano de
outras modalidades de transporte. Isso significa
que a posse do carro próprio está perdendo o
encanto? Com o cigarro não se passou algo
bastante parecido?
FONTE: https://www.cartacapital.com.br/sustentabilidade/carro-o-cigarro-do-seculo21-4760.html
Sobre a passagem “Só em 2011, a pesquisa revelou
que o ar contaminado, boa parte dele vindo de
escapamentos de veículos, contribuiu para a morte
de mais de 17 mil e 400 pessoas”, é correto afirmar
que: