É possível fazer educação de qualidade sem escola
É possível fazer educação embaixo de um pé de manga?
Não só é, como já acontece em 20 cidades brasileiras e
em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique.
Decepcionado com o processo de “ensinagem”, o
antropólogo Tião Rocha pediu demissão do cargo de
professor da UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto) e
criou em 1984 o CPCD (Centro Popular de Cultura e
Desenvolvimento).
Curvelo, no Sertão mineiro, foi o laboratório da “escola”
que abandonou mesa, cadeira, lousa e giz, fez das ruas a
sala de aula e envolveu crianças e familiares na pedagogia
da roda. “A roda é um lugar da ação e da reflexão, do ouvir
e do aprender com o outro. Todos são educadores, porque
estão preocupados com a aprendizagem. É uma
construção coletiva”, explica.
O educador diz que a roda constrói consensos. “Porque
todo processo eletivo é um processo de exclusão, e tudo
que exclui não é educativo. Uma escola que seleciona não
educa, porque excluiu alguns. A melhor pedagogia é
aquela que leva todos os meninos a aprenderem. E todos
podem aprender, só que cada um no seu ritmo, não
podemos uniformizar.”
Nesses 30 anos, o educador foi engrossando seu
dicionário de terminologias educacionais, todas calcadas
no saber popular: surgiu a pedagogia do abraço, a
pedagogia do brinquedo, a pedagogia do sabão e até
oficinas de cafuné. Esta última foi provocada depois que
um garoto perguntou: “Tião, como faço para conquistar
uma moleca?” Foi a deixa para ele colocar questões de
sexualidade na roda.
Para resolver a falência da educação, Tião inventou uma
UTI educacional, em que “mães cuidadoras” fazem
“biscoito escrevido” e “folia do livro” (biblioteca em forma de
festa) para ajudar na alfabetização. E ainda colocou em
uso termos como “empodimento”, após várias vezes ser
questionado pelas comunidades: “Pode [fazer tal coisa],
Tião?” Seguida da resposta certeira: “Pode, pode tudo”.
Aos 66 anos, Tião diz estar convicto de que a escola do
futuro não existirá e que ela será substituída por espaços
de aprendizagem com todas as ferramentas possíveis e
necessárias para os estudantes aprenderem.
“Educação se faz com bons educadores, e o modelo
escolar arcaico aprisiona e há décadas dá sinais de
falência. Não precisamos de sala, precisamos de gente.
Não precisamos de prédio, precisamos de espaços de
aprendizado. Não precisamos de livros, precisamos ter
todos os instrumentos possíveis que levem o menino a
aprender.”
Sem pressa, seguindo a Carta da Terra e citando Ariano
Suassuna para dizer que “terceira idade é para fruta:
verde, madura e podre”, Tião diz se sentir “privilegiado” de
viver o que já viveu e acreditar na utopia de não haver mais
nenhuma criança analfabeta no Brasil. “Isso não é uma
política de governo, nem de terceiro setor, é uma questão
ética”, pontua.
(Qsocial, 09/12/2014. Disponível em http://www.cpcd.org.br/
portfolio/e_possivel_fazer_educacao_de_qualidade_100_escola/.)
Em relação ao trecho “E ainda colocou em uso termos
como ‘empodimento’, após várias vezes ser questionado
pelas comunidades: ‘Pode [fazer tal coisa], Tião?’ Seguida
da resposta certeira: ‘Pode, pode tudo’”, é correto afirmar: