- ID
- 3831895
- Banca
- VUNESP
- Órgão
- Prefeitura de Ribeirão Preto - SP
- Ano
- 2019
- Provas
-
- VUNESP - 2019 - Prefeitura de Ribeirão Preto - SP - Professor de Educação Básica III - Geografia
- VUNESP - 2019 - Prefeitura de Ribeirão Preto - SP - Professor de Educação Básica III - Matemática
- VUNESP - 2019 - Prefeitura de Ribeirão Preto - SP - Professor de Educação Básica III - Arte
- VUNESP - 2019 - Prefeitura de Ribeirão Preto - SP - Professor de Educação Básica III - Atendimento Educacional Especiliazado
- Disciplina
- Português
- Assuntos
Vista Cansada
Acho que foi o Ernest Hemingway* quem disse que
olhava cada coisa à sua volta como se a visse pela última vez.
Essa ideia de olhar pela última vez tem algo de deprimente.
Olhar de despedida, de quem não crê que a vida continua,
não admira que o Hemingway tenha acabado como acabou.
Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse
um poeta. Um poeta é só isto: um certo modo de ver. O
problema é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não
vendo.
Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia,
sem ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos
é familiar, já não nos desperta curiosidade. O campo visual da
nossa rotina é como um vazio. De tanto ver, você não vê.
Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo
mesmo hall do prédio do seu escritório. Lá estava sempre,
pontualíssimo, o mesmo porteiro. Dava-lhe bom dia e às
vezes lhe passava um recado ou uma correspondência. Um
dia o porteiro cometeu a descortesia de falecer.
Como era ele? Sua cara? Sua voz? Como se vestia? Não
fazia a mínima ideia. Em 32 anos, esse profissional nunca o
viu. Para ser notado, o porteiro teve que morrer. Se um dia
no seu lugar estivesse uma girafa, cumprindo o rito, pode ser
também que ninguém desse por sua ausência. O hábito suja
os olhos e lhes baixa a voltagem.
Mas há sempre o que ver. Gente, coisas, bichos. E vemos?
Não, não vemos.
Uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos
e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de
ver pela primeira vez o que, de fato, ninguém vê. Há pai que
nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria
mulher, isso existe às pampas. Nossos olhos se gastam
no dia a dia, opacos. É por aí que se instala no coração o
monstro da indiferença.
(Otto Lara Resende. Bom dia para nascer.
Companhia das Letras. Adaptado)
* Ernest Hemingway: escritor estadunidense que se suicidou em 1961.
Com base no texto, é correto concluir que o autor