Leia o texto abaixo e responda à questão proposta.
ESTÁ GRIPADO
Salta o primeiro espirro, mais outro, outro mais, com a picada leve na
garganta, e você corre à farmácia para tomar a injeção antigripal que o
mantenha de pé, pois você, como São Paulo, não pode parar. São inúmeras
as injeções cem por cento, você acaba deixando que o rapaz da farmácia
escolha em seu lugar a ampola mágica. Dói um pouco? Não é nada, tem de
aplicar mais duas, no fim de três dias você está é em posição horizontal, com
febrão, carece chamar o doutor. O seu caro doutor, que você não queria
incomodar, reservando-o para as trágicas ocasiões. E é realmente uma pena
chamá-lo, coitado: o bairro inteiro caiu doente, ele próprio convalesce de
uma rebordosa; e quem tratará do nosso velho clínico particular, essa joia
sem preço, que com paciência nos escuta, ausculta e perscruta há bem um
século, e sabe a nosso respeito muito mais do que nós mesmos, ele que
registrou na ficha: "Em outubro de 48 você teve uma micose danada...”?
Vem o doutor, com ele a vil prostração da gripe se recolhe por instantes;
conversa descansado, à cabeceira, lembra o pai que você perdeu há tanto
tempo; ninguém mais tem esse carinho ponderado com você, e dá-lhe
conselhos de vera ciência da vida:
— Olhe, procure se poupar. Faça como eu, que arranjei sítio em Petrópolis e
todo fim-de-semana ia para lá com livros de Medicina e de Literatura. Depois
de algum tempo, passei a levar só de Literatura. Afinal, nem isso. Estendiame na rede e ficava espiando o passarinho bicar uma fruta, a folha a cair, a
nuvem se desfazendo.
(O que ele não conta é que acabou deixando mesmo de ir ao sítio, e cá
embaixo assume a doença de todos, que não lhe dispensam a sabedoria e a
bondade).
Sai o doutor, volta o onímodo mal-estar, você fica meditando no vírus, esse
porcariinha tão mais sutil que o micróbio; o ambíguo vírus, nem carne nem
peixe, que chega a cristalizar no organismo, como os inquilinos de
apartamentos vendidos; o que se sabe de positivo a seu respeito é que não
passa de um refinado calhorda.
Entregue ao antibiótico de largo espectro, você deixa a gripe correr. Mas a
gripe não corre. Escorre, em fenômenos rinofaríngeos, como lá diz a bula,
uma das bulas, em seu estilo de discurso de recepção na Academia Nacional
de Medicina. Os calafrios até que dão prazer, passeando no corpo à maneira
de rajadas de brisa elétrica em excursão sideral, mas o resto é miséria,
abatimento, dores errantes, zoeira, pesos e pensamentos confusos, no
coração da noite que não passa nunca. E nem sequer você tem o consolo
tétrico de uma doença grave. Os familiares não levam muito a sério seus
gemidos e queixas. Você adquiriu um ar de grande bebê manhoso, que
encomprida o dodói para nunca mais voltar à escola. E quando, após a
batalha anti-histamínica, você sai à rua, ainda fantomático e desconjuntado,
todos os amigos se gabam de terem tido uma febre muito maior do que a sua
— ah, sem comparação.
(ANDRADE, C. Drummond de. Cadeira de Balanço. 11 ed. Rio de Janeiro:
Livraria José Olympio Editora, 1978, p. 30-31.)
Na frase: “Salta o primeiro espirro, mais outro, outro mais” (1º §), o verbo
“saltar” está empregado corretamente, no sentido de espirrar, irromper,
jorrar. No entanto, é muito comum os falantes confundirem o emprego do
verbo “saltar” com a do verbo “soltar”, vocábulos parônimos.
Considerando-se os significados de ambos os verbos, pode-se afirmar que
houve emprego INADEQUADO do verbo “saltar”, em contexto em que se
deve usar o verbo “soltar” na opção: