O texto a seguir é referência para a questão.
'Speed watching’: o que você perde quando acelera a
velocidade do filme?
Com a pandemia de coronavírus, uma legião de confinados
passou a sentir o tempo de forma diferente. Um exemplo disso
é o crescente hábito de consumir produções audiovisuais em
velocidade acelerada. Cada vez mais plataformas de streaming
têm oferecido ferramentas de speed watching, que permitem
alterar o ritmo do que se assiste ou se escuta. Na Netflix, é
possível ver um filme ou série com até o dobro da velocidade
original. As possibilidades são as mesmas no Youtube e no Spotify.
Isso estende a funcionalidade para podcasts, palestras e até aulas
online.
Especialistas entendem que essa tendência é uma resposta
ao atual momento: mais do que nunca, a tecnologia é a principal
interface das pessoas com o mundo ao redor. Isso interfere no
ritmo com o qual se vive e se consomem conteúdos. O psiquiatra
Adriano Aguiar lembra que, durante muito tempo, a rotina das
pessoas era ditada pela natureza. Depois, com a chegada da
televisão, os programas passaram a interferir no dia a dia das
famílias. “Algumas iam dormir só depois da novela ou do programa
do Jô Soares”, exemplifica o médico. Hoje, em meio à explosão
do mercado de streaming, que dá a possibilidade de se assistir
ao que se quer e quando se quer, esses limites se dissolveram.
“Estamos jogados no ilimitado da informação e submetidos ao
funcionamento de algoritmos que deliberadamente trabalham para
gerar uma adição”, defende Aguiar.
É diante desse fluxo frenético que as pessoas se veem
impelidas a consumir em pouco tempo a maior quantidade de
conteúdo possível. Isso pode levar à chamada síndrome de FOMO,
sigla do inglês “fear of missing out”: aquele medo desesperado de
perder alguma coisa frente a uma avalanche de dados. O “speed
watching” se insere nesse contexto.
Assistir a um filme em velocidade acelerada ajuda a ganhar
tempo. Por outro lado, um hábito que serviria para descansar
a mente acaba alimentando a ansiedade, conforme explica a
psiquiatra e professora da Universidade Positivo, Raquel Heep. O
cérebro do ansioso pode operar em um sistema de recompensa:
consumindo mais em menos tempo e sentindo os ganhos disso,
terá dificuldade em desfrutar de uma obra no ritmo original. Para
Heep, há uma confusão entre absorver fatos e ter um momento
de contemplação. O cineasta Alexandre Rafael Garcia concorda.
Ele argumenta que receber informações é diferente de assimilálas mediante a reflexão que um filme ou série promovem sob um
ritmo determinado. “Eu sei que o homem de ferro morre, mas ver
o homem de ferro morrendo é outra coisa. E a nossa sociedade
está muito centrada no volume do que se consegue absorver”,
diz Garcia, que é também professor de cinema da Universidade
Estadual do Paraná (Unespar).
Embora acelerar um filme atrapalhe a experiência de assistir
a um grande clássico, cineastas e neurocientistas concordam que
o cérebro humano pode estar ficando mais rápido e, com isso, os
filmes também. O premiado diretor de cinema Fernando Meirelles
está entre os que enxergam esse movimento. Para ele, o fato
de nossa cabeça estar ficando mais veloz impacta a recepção
das produções cinematográficas agora. “A quantidade do que
processamos hoje é muitas vezes maior do que o que recebíamos
há 40 anos”, diz.
O neurocientista Marcelo de Meira Santos Lima, da
Universidade Federal do Paraná, explica que, embora não haja
estudos comprovando a influência do “speed watching” no cérebro,
esse órgão pode, sim, sofrer impactos de longo prazo, a começar
pelas sinapses. Coletivamente, a formação de novas redes neurais
poderia originar cérebros mais eficientes e rápidos, embora com
uma demanda de energia atípica e capaz de impulsionar quadros
de ansiedade, insônia, distúrbios de atenção e depressão.
Enquanto a ciência não decifra esse mistério, muitos seguirão
acelerando conteúdos. Ao menos de vez em quando, como faz o
próprio Fernando Meirelles. Ele confessa que em alguns casos,
quando um filme lhe parece previsível ou desinteressante, opta
por escaneá-lo, na expectativa de que alguma cena para frente
o prenda. “Acelerar para mim é o estágio que vem antes de
abandonar”.
(Lívia Inácio, 14/03/2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-56368238.)
De acordo com o texto, considere as seguintes
afirmativas:
1. A possibilidade de se alterar a velocidade com
que se assiste a vídeos e áudios surgiu com a
disponibilização de acesso à informação decorrente
da pandemia.
2. O crescimento na tendência de consumir produtos
audiovisuais foi ocasionado pela redução nas
interações físicas, que levou as pessoas a se
ajustarem ao ritmo da internet.
3. A ferramenta speed watching tem criado um
descompasso entre a velocidade com que
recebemos informações e nossa capacidade de
processá-las.
4. A síndrome de FOMO é causada pelos algoritmos
da internet que atuam sobre o comportamento dos
usuários.
Assinale a alternativa correta.