A formação do Brasil - LYA LUFT
“A gente quer a sensação não apenas de ser
brasileiro, amar este país complicado, e lutar por ele,
mas de ter isso reconhecido de uma forma mais clara
e melhor".
Sempre me preocupam posições aleatórias ou
radicais, com ou sem fundo ideológico, com respeito à
formação étnica e cultural do Brasil (ainda existe
realmente o ideológico, ou tudo é jogo do grande
partido do PIP, o Partido do Interesse Próprio, que às
vezes parece ser o preponderante neste país?).
Temos oficialmente o Dia do Índio e o Dia do Negro.
Divulgam-se e se promovem programas, disciplinas,
mil atividades quase sempre relacionadas ao índio e
ao negro. Mais do que justo. O primeiro, porque foi o
morador desta terra, quando aqui chegamos e o
destruímos. O segundo, porque com seu sangue,
sofrimento e trabalho duro construiu parte disso que
somos e provou que não somos nada santos, pois
tínhamos escravos - como boa parte do mundo tinha,
incluindo tribos africanas e povos dos mais variados
que, vergonha, opróbrio, escravizavam grupos
vencidos em guerras.
Porém, eu gostaria que houvesse mais disciplinas,
festejos, ensinamentos, referências aos outros povos
e raças que nos fizeram. Os portugueses, italianos,
alemães, japoneses, árabes, poloneses, judeus, e
tantos mais, sobretudo aqueles que nos povoaram,
fizeram crescer, que nos civilizaram e ainda
sustentam com suor, trabalho - e às vezes lágrimas -
até o dia de hoje. Que nos tornam esse país vasto e,
contraditório, problemático, pré-adolescente, que
ainda somos - com todos os encantos e disparates
que essa fase da vida costuma oferecer.
E gostaria que não só pequenas comunidades em
cidades grandes ou no interior comemorassem a
cultura de determinados grupos, mas que isso fizesse
parte da agenda oficial. Por que não o Dia do Alemão,
do Judeu, do Árabe, do Italiano, por exemplo? Do
Polonês ou do Português, por exemplo? Pois todos
merecem todos contribuem igualmente, todos à sua
maneira foram sacrificados, às vezes vilipendiados,
não entendidos. Todos sofreram. Meus antepassados,
já escrevi isso mais de uma vez, vieram da Alemanha
há quase 100 anos, passaram privações
inimagináveis em navios, embora não acorrentados.
Foram convocados para povoar, no meu caso, uma
região bem aqui no sul do Brasil, onde foram largados
de mãos vazias de recursos e ouvidos cheios de
promessas não cumpridas. Receberam umas poucas
ferramentas, nada mais. Enfrentaram tribos hostis,
animais ferozes, natureza e clima estranhos, doenças
desconhecidas e isolamento devido ao idioma. As
criancinhas morriam em quantidades assustadoras, os
doentes eram tratados com chás e orações, pequenos
cemitérios cresciam como cogumelos. Aos poucos
mandaram buscar mais pessoas, médico, pastor,
padre, professor, e foram-se construindo casas,
povoados, vilas, hoje florescentes cidades de todos os
tamanhos. Apesar das dificuldades da língua, foram-se
aclimatando, e se consideram tão brasileiros
quanto eu, de cinco ou mais gerações nesta terra
amada. Isso deve merecer consideração especial.
Escrevo isso como poderia escrever se tivesse
antepassados japoneses ou árabes, judeus ou
italianos. A gente quer a sensação não apenas de ser
brasileiro, amar este país complicado, e lutar por ele,
mas de ter isso reconhecido de uma forma mais clara
e melhor. Vamos aprender danças e rituais indígenas,
comidas e cultos e palavras africanas, mais do que
certo: pois somos resultado e mistura de tudo isso.
Mas vamos, então, ter outras datas, referências,
homenagens e aprendizados mais amplo e mais
justos sobre as culturas e etnias que igualmente nos
formaram como somos hoje, e vão continuar, cada
uma do seu jeito e no seu ritmo, promovendo o país
com que tanto sonhamos, onde todos têm hora, voz e
vez garantidas e apreciadas.
FONTE: LUFT, Lya. In: VEJA, nº 2264 de 11 de abril
de 2012. (Com adaptações).
A partir da leitura do texto, infere-se que a autora defende: