O examinador explora, na presente questão, o conhecimento do candidato acerca do que estabelece o ordenamento jurídico brasileiro sobre a Posse, instituto previsto nos artigos 1.196 e seguintes do Código Civil e que representa o domínio
fático que a pessoa exerce sobre uma coisa, considerando-se
possuidor aquele que tem, pelo menos, um dos atributos da propriedade. Senão vejamos:
A posse
A) é justa, mesmo se clandestina ou precária.
O Código Civil prescreve em seu artigo art. 1.200:
Art. 1200: É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.
Perceba então, que se clandestina, precária e violenta, a posse é injusta (não se confundindo jamais com má-fé), e não justa como faz crer a assertiva. Sobre o tema, temos que a concepção de injustiça ou justiça da posse restringe-se aos três vícios que a maculam (stricto sensu), enquanto, no que concerne à propriedade, a expressão é empregada para designar todas as situações (e não apenas aqueles vícios) que repugnam ao mais amplo direito real.
Caracteriza-se o vício por ser inerente ao momento da aquisição da posse em relação ao novo titular. Assim, a posse pode ser viciosa por motivos objetivos (em consequência do fato que lhe deu origem), ou subjetivos (em face do conhecimento da mácula).
Neste sentido, vejamos detalhadamente todos os vícios:
Violência: É a maneira de consecução do ato espoliativo mediante constrangimento físico ou moral praticado contra o possuidor ou contra quem possui em nome dele. Configura-se pela utilização da coação física (armada ou não), conhecida também por vis absoluta, ou por intermédio da vis compulsiva (violência moral). Prescinde de confronto material ou tumulto entre as partes conflitantes (possuidor e esbulhador). É a posse esbulhada.
Clandestinidade: É o vício que se manifesta pela ocultação do ato espoliativo, de forma que o possuidor não tenha conhecimento dele. Não é suficiente o desconhecimento do ato, fazendo-se necessário que a posse tenha sido tomada às escondidas e com emprego de manobras tendentes a deixar o possuidor em determinada posição de efetivo não conhecimento do esbulho. Assim, se o esbulhador não agiu ocultamente, em que pese o possuidor desconhecer a prática do ato por qualquer motivo, o vício da clandestinidade, neste caso, não se configura. Contudo, em qualquer circunstância, “só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido" (art. 1.224).
Assim, em outras palavras, temos que para a clandestinidade da posse, é bastante que o possuidor esbulhado não o saiba, embora seja do conhecimento do resto das pessoas.
Precariedade: Configura-se como vício da posse, nas relações em que o sujeito tem consigo, anteriormente, um bem a título precário e recusa-se a devolvê-lo ao legítimo possuidor, quando requerido ou chegado o momento oportuno à devolução. Resulta de um abuso de confiança por parte daquele que previamente recebera a coisa do possuidor, assumindo o compromisso (tácito ou expresso) de restituí-la em certo momento, ou quando verificada determinada condição ou termo.
Em outras palavras, temos o abuso de confiança, conhecido como esbulho pacífico. Ex.: Quando
cessa o comodato, a locação e o depósito.
Alternativa incorreta.
B) perde o caráter de boa-fé somente se o possuidor expressamente declarar que não ignora que a possui indevidamente.
O artigo 1.202 do Código Civilista, assim dispõe:
Art. 1.202. A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente.
Veja que basta a presunção para que o possuidor perca o caráter de boa-fé. E várias são as circunstâncias que fazem presumir o desaparecimento da boa-fé, e, segundo Regina Beatriz Tavares Silva, "as principais são as seguintes: a) confissão do possuidor de que não tem nem nunca teve título; b) nulidade manifesta do título; c) existência de instrumentos repugnantes à legitimidade da posse, em poder do possuidor (cf. Clóvis Beviláqua, Direito das coisas, 5. ed., Rio de Janeiro, Forense, v. I, p. 45); d) contestação da demanda (cf. Carvalho Santos, CC interpretado, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1979, v. VII, p. 49-50; e Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil, São Paulo, Saraiva, 1979, v. VIII); e) citação judicial (sem perder de vista a observação feita por Lafayette Pereira no sentido de que o réu pode receber a comunicação e julgá-la infundada na crença — boa-fé — de que o bem lhe pertence) (cf. Direito das coisas, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1943, v. I)."
Os efeitos práticos dessa questão concernem às benfeitorias, frutos, direito de retenção, prescrição aquisitiva e aquisição por “expropriação judicial" (instituto híbrido de desapropriação indireta e usucapião social — art. 1.228, §§ 4º e 5º). Para que os efeitos revertam positivamente em prol do possuidor, faz-se importante que a posse seja adquirida com boa-fé e que essa circunstância perdure durante todo o tempo."
Alternativa incorreta.
C) do imóvel não faz presumir a das coisas móveis que nele estiverem.
Assevera o artigo 1.209 do CC/02:
Art. 1.209. A posse do imóvel faz presumir, até prova contrária, a das coisas móveis que nele estiverem.
Trata-se aqui de presunção juris tantum. Porém, a regra está fundamentada na circunstância de que os móveis, como acessórios, pertencem ao respectivo imóvel (princípio da
gravitação jurídica – o acessório segue o principal).
Alternativa incorreta.
D) pode ser adquirida por terceiro sem mandato, independentemente de ratificação.
Vejamos a previsão contida no artigo 1.205:
Art. 1.205. A posse pode ser adquirida:
I - pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante;
II - por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação.
Perceba que além da hipótese de sucessão universal, adquire-se a posse por ato entre vivos, diretamente pela pessoa natural que pretende atingir esse escopo, ou por terceiro com mandato (seu representante) ou sem mandato, dependendo de ratificação sua.
Alternativa incorreta.
E) transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres.
O artigo 1.206, assim preleciona:
Art. 1.206. A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres.
Pela leitura do referido dispositivo, verifica-se aqui o princípio da continuidade da posse. O caráter ou natureza da posse mantém-se inalterado durante o período de permanência com seu titular, transmitindo-se aos herdeiros ou legatários, tal como verificado anteriormente. Recebendo-a, o sucessor a título universal dá continuidade à posse de seu antecessor com os mesmos caracteres previamente estabelecidos (successio possessionis). Logo, se a posse padecia de algum vício objetivo ou subjetivo, assim permanecerá também com o seu sucessor.
Alternativa correta.
Gabarito do Professor: letra "E".
LEGISLAÇÃO PARA LEITURA
Código Civil
Da Posse e sua Classificação
Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto.
Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.
Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário.
Art. 1.199. Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores.
Art. 1.200. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.
Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa.
Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção.
Art. 1.202. A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente.
Art. 1.203. Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida.
Da Aquisição da Posse
Art. 1.204. Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.
Art. 1.205. A posse pode ser adquirida:
I - pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante;
II - por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação.
Art. 1.206. A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres.
Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais.
Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.
Art. 1.209. A posse do imóvel faz presumir, até prova contrária, a das coisas móveis que nele estiverem.
Dos Efeitos da Posse
Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.
§ 1 o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.
§ 2 o Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.
Art. 1.211. Quando mais de uma pessoa se disser possuidora, manter-se-á provisoriamente a que tiver a coisa, se não estiver manifesto que a obteve de alguma das outras por modo vicioso.
Art. 1.212. O possuidor pode intentar a ação de esbulho, ou a de indenização, contra o terceiro, que recebeu a coisa esbulhada sabendo que o era.
Art. 1.213. O disposto nos artigos antecedentes não se aplica às servidões não aparentes, salvo quando os respectivos títulos provierem do possuidor do prédio serviente, ou daqueles de quem este o houve.
Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos.
Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio; devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação.
Art. 1.215. Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos, logo que são separados; os civis reputam-se percebidos dia por dia.
Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé; tem direito às despesas da produção e custeio.
Art. 1.217. O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não der causa.
Art. 1.218. O possuidor de má-fé responde pela perda, ou deterioração da coisa, ainda que acidentais, salvo se provar que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do reivindicante.
Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.
Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.
Art. 1.221. As benfeitorias compensam-se com os danos, e só obrigam ao ressarcimento se ao tempo da evicção ainda existirem.
Art. 1.222. O reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias ao possuidor de má-fé, tem o direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo; ao possuidor de boa-fé indenizará pelo valor atual.
Da Perda da Posse
Art. 1.223. Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem, ao qual se refere o art. 1.196.
Art. 1.224. Só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 - Código Civil - Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, disponível em: Site
Portal da Legislação - Planalto.
2 - SILVA, Regina Beatriz Tavares. — 8. ed. Código Civil Comentado – São
Paulo : Saraiva, 2012.