Jovial
            Só em teoria podemos falar no sentido “verdadeiro” das  palavras.  Na  prática,  um  vocábulo  terá  o  significado  que  os  falantes de uma determinada época atribuírem a ele- é simples e  trágico assim. Vejam o que vem acontecendo com  jovial, que  significava  precisamente  “alegre,  folgazão,  divertido,  espirituoso”. Derivado de Júpiter (ou Jovis), (o mesmo Zeus dos  gregos), este adjetivo entrou na língua por meio das duas irmãs,  a Astrologia e a Astronomia, que eram muito mais próximas na  Antiguidade Clássica do que hoje. Os astrônomos romanos só  conheciam, além da Terra, os cinco planetas observáveis a olho  nu,  todos  batizados  com  nomes  do  panteão  divino:  Júpiter,  Mercúrio, Marte, Vênus e Saturno. Ao que parece, o batismo  desses  planetas  seguiu  mais  ou  menos  um  critério  de  comparação de sua aparência e de seu comportamento com as  características de cada divindade. Mercúrio ganhou o nome do  veloz mensageiro dos deuses por causa da rapidez com que se  move; Júpiter recebeu o nome do deus supremo do Olimpo por  seu  brilho  intenso  e  por  sua  trajetória  peculiar, mais  lenta  e  majestosa  que  a  dos  planetas  mais  próximos.  E  assim  por  diante.
            Para os romanos, as pessoas nascidas sob a influência  de um planeta deveriam apresentar as características do deus  correspondente.  Júpiter  era  visto  como  uma  divindade  feliz,  exuberante, alegre- daí o adjetivo  jovialis, do Latim Tardio, pai de  nosso  jovial e avô de  jovialidade e  jovializar. Apreciem, prezados  leitores, a  clareza do bom Morais,  cujo dicionário é de 1813:  “Jovial- amigo de  rir, e  fazer  rir”! E o Machado, então? O exemplo  que  trago,  do  conto  Uma  Noite,  fala  mais  que  qualquer  dicionário:  “Isidoro não se podia dizer  triste, mas estava  longe de  ser  jovial”.
            Este vocábulo e seus descendentes nada  têm a ver com  jovem e  juventude, que vêm de  família completamente diferente;  no entanto, a grande  semelhança entre os dois  radicais  (e o  desconhecimento da origem mitológica de jovial) está fazendo  muita gente usar um pelo outro. Todo  santo dia, deparo  com  artigos que  falam de pele  jovial,  roupa  jovial, corte de cabelo  mais  jovial, onde há uma clara  referência a  jovem. Evolução?  Não acho; a perda de uma diferença na língua sempre será um  momento de  luto, porque nos empobrece.
                                                                                                                        (MORENO, Claúdio. O Prazer das Palavras. p. 74)
 
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