Leia atentamente o texto a seguir, trecho extraído de um
conto de autoria de Lima Barreto, publicado no início do
século XX. Tendo-o em mente, analise as afirmativas
subsequentes, classificando-as em verdadeiras (V) ou
falsas (F). Ao final, assinale a opção que contenha a
sequência correta.
O HOMEM QUE SABIA JAVANÊS
“O marido de Dona Maria da Glória (assim se chamava a
filha do barão), era desembargador, homem relacionado e
poderoso; mas não se pejava em mostrar diante de todo
o mundo a sua admiração pelo meu javanês. Por outro
lado, o barão estava contentíssimo. Ao fim de dois meses,
desistira da aprendizagem e pedira-me que lhe traduzisse,
um dia sim outro não, um trecho do livro encantado.
Bastava entendê-lo, disse-me ele; nada se opunha que
outrem o traduzisse e ele ouvisse. Assim evitava a fadiga
do estudo e cumpria o encargo.
Sabes bem que até hoje nada sei de javanês, mas compus
umas histórias bem tolas e impingi-as ao velhote como
sendo do crônicon. Como ele ouvia aquelas bobagens!...
Ficava extático, como se estivesse a ouvir palavras de um
anjo. E eu crescia a seus olhos! Fez-me morar em sua
casa, enchia-me de presentes, aumentava-me o ordenado.
Passava, enfim, uma vida regalada.
Contribuiu muito para isso o fato de vir ele a receber
uma herança de um seu parente esquecido que vivia em
Portugal. O bom velho atribuiu a coisa ao meu javanês; e
eu estive quase a crê-lo também.
Fui perdendo os remorsos; mas, em todo o caso, sempre
tive medo de que me aparecesse pela frente alguém
que soubesse o tal patuá malaio. E esse meu temor foi
grande, quando o doce barão me mandou com uma carta
ao Visconde de Caruru, para que me fizesse entrar na diplomacia. Fiz-lhe todas as objeções: a minha fealdade, a
falta de elegância, o meu aspecto tagalo. – "Qual! retrucava
ele. Vá, menino; você sabe javanês! "Fui. Mandou-me o
visconde para a Secretaria dos Estrangeiros com diversas
recomendações. Foi um sucesso.
O diretor chamou os chefes de seção: "Vejam só, um
homem que sabe javanês – que portento!"
Os chefes da seção levaram-me aos oficiais e amanuenses
e houve um destes que me olhou mais com ódio do que
com inveja ou admiração. E todos diziam: "Então sabe
javanês? É difícil? Não há quem o saiba aqui!"
O tal amanuense, que me olhou com ódio, acudiu então: "É
verdade, mas eu sei canaque. O senhor sabe?" Disse-lhe
que não e fui à presença do ministro.
A alta autoridade levantou-se, pôs as mãos às cadeiras,
consertou o pince-nez no nariz e perguntou: " Então, sabe
javanês?" Respondi-lhe que sim; e, à sua pergunta onde
o tinha aprendido, contei-lhe a história do tal pai javanês.
"Bem, disse-me o ministro o senhor não deve ir para a
diplomacia; o seu físico não se presta... O bom seria um
consulado na Àsia ou Oceania. Por ora, não há vaga, mas
vou fazer uma reforma e o senhor entrará. De hoje em
diante, porém, fica adido ao meu ministério e quero que,
para o ano, parta para Bâle, onde vai representar o Brasil
no congresso de Lingüística. Estude, leia o Hove-Iacque,
o Max Müller, e outros!"
Imagina tu que eu até aí nada sabia de javanês, mas estava
empregado e iria representar o Brasil em um congresso de
sábios.”
( ) Os dois últimos parágrafos estampam o funcionamento
da Administração Pública durante a primeira República.
( ) A carta mencionada no texto é a demonstração de força
do apadrinhador, que, com sua influência, mobiliza os
órgãos estatais a seu favor.
( ) Sob certo aspecto, a meritocracia está presente no
conto estudado, assim como estava na primeira
República, pois o professor de javanês somente
alcançou o posto estatal por força dos conhecimentos
da língua estrangeira que todos achavam que ele
possuía.