A questão trata do entendimento
do STF sobre responsabilidade civil das empresas aéreas em matéria de Direito
do Consumidor.
Antinomia entre o CDC e
a Convenção de Varsóvia: transporte aéreo internacional - 5
Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados
internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de
passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm
prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor.
Com base nesse entendimento, o Plenário finalizou o julgamento conjunto de
recursos nos quais se discutiu a norma prevalecente nas hipóteses de conflito
entre o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a Convenção de Varsóvia de 1929
(ratificada e promulgada pelo Decreto 20.704/1931), a qual rege o transporte
aéreo internacional e foi posteriormente alterada pelo Protocolo Adicional 4,
assinado na cidade canadense de Montreal em 1975 (ratificado e promulgado pelo
Decreto 2.861/1998).
No RE 636.331/RJ, ao apreciar o Tema 210 da Repercussão Geral, o Supremo
Tribunal Federal (STF), por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário,
para reduzir o valor da condenação por danos materiais, limitando-o ao patamar
estabelecido no art. 22 da Convenção de Varsóvia (1), com as modificações
efetuadas pelos acordos internacionais posteriores.
No ARE 766.618/SP, o STF, também por maioria, deu provimento ao recurso
extraordinário, para, reformando o acórdão recorrido, julgar improcedente o
pedido, em razão da prescrição.
A controvérsia apresentada no RE 636.331/RJ envolve os limites de indenização
por danos materiais em decorrência de extravio de bagagem em voo internacional.
Já a questão posta em debate no ARE 766.618/SP diz respeito ao prazo
prescricional para fins de ajuizamento de ação de responsabilidade civil por
atraso em voo internacional (vide Informativo 745).
No RE 636.331/RJ, o Colegiado assentou a prevalência da Convenção de Varsóvia e
dos demais acordos internacionais subscritos pelo Brasil em detrimento do CDC,
não apenas na hipótese de extravio de bagagem. Em consequência, deu provimento
ao recurso extraordinário para limitar o valor da condenação por danos
materiais ao patamar estabelecido na Convenção de Varsóvia, com as modificações
efetuadas pelos acordos internacionais posteriores.
Afirmou que a antinomia ocorre, a princípio, entre o art. 14 do CDC (2), que
impõe ao fornecedor do serviço o dever de reparar os danos causados, e o art.
22 da Convenção de Varsóvia, que fixa limite máximo para o valor devido pelo
transportador, a título de reparação.
Afastou, de início, a alegação de que o princípio constitucional que impõe a
defesa do consumidor [Constituição Federal (CF), arts. 5º, XXXII (3), e 170, V
(4)] impediria a derrogação do CDC por norma mais restritiva, ainda que por lei
especial.
Salientou que a proteção ao consumidor não é a única diretriz a orientar a
ordem econômica. Consignou que o próprio texto constitucional determina, no
art. 178 (5), a observância dos acordos internacionais, quanto à ordenação do
transporte aéreo internacional.
Realçou que, no tocante à aparente antinomia entre o disposto no CDC e na
Convenção de Varsóvia – e demais normas internacionais sobre transporte aéreo
–, não há diferença de hierarquia entre os diplomas normativos. Todos têm
estatura de lei ordinária e, por isso, a solução do conflito envolve a análise
dos critérios cronológico e da especialidade.
Em relação ao critério cronológico, o Plenário destacou que os acordos
internacionais em comento são mais recentes que o CDC. Observou que, não
obstante o Decreto 20.704 tenha sido publicado em 1931, sofreu sucessivas
modificações posteriores ao CDC. Acrescentou, ainda, que a Convenção de
Varsóvia – e os regramentos internacionais que a modificaram – são normas
especiais em relação ao CDC, pois disciplinam modalidade especial de contrato,
qual seja, o contrato de transporte aéreo internacional de passageiros.
Por tratar-se de conflito entre regras que não têm o mesmo âmbito de validade,
sendo uma geral e outra específica, o Colegiado concluiu que deve ser aplicado
o § 2º do art. 2º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (6).
Ademais, frisou que as disposições previstas nos aludidos acordos
internacionais incidem exclusivamente nos contratos de transporte aéreo
internacional de pessoas, bagagens ou carga. Assim, não alcançam o transporte
nacional de pessoas, que está excluído da abrangência do art. 22 da Convenção
de Varsóvia. Por fim, esclareceu que a limitação indenizatória abarca apenas a
reparação por danos materiais, e não morais.
No ARE 766.618/SP, o Colegiado pontuou que, por força do art. 178 da CF, em
caso de conflito, as normas das convenções que regem o transporte aéreo
internacional prevalecem sobre o CDC. Abordou, de igual modo, os critérios
tradicionais de solução de antinomias no Direito brasileiro: hierarquia,
cronológico e especialização. No entanto, reputou que a existência de
dispositivo constitucional legitima a admissão dos recursos extraordinários
nessa matéria; pois, se assim não fosse, a discussão estaria restrita ao âmbito
infraconstitucional.
Explicou, no ponto, que o art. 178 da CF prevê parâmetro para a solução desse
conflito, de modo que as convenções internacionais devem prevalecer.
Reconheceu, na espécie, a incidência do art. 29 da Convenção de Varsóvia (7),
que estabelece o prazo prescricional de dois anos, a contar da chegada da
aeronave. Por conseguinte, deu provimento ao recurso e julgou improcedente o
pleito ante a ocorrência da prescrição.
(...)
(1) Convenção de Varsóvia/1929 (Decreto 20.704/1931): “Art. 22. (1) No
transporte de pessoas, limita-se a responsabilidade do transportador, à
importância de cento e vinte e cinco mil francos, por passageiro. Se a
indenização, de conformidade com a lei do tribunal que conhecer da questão, puder
ser arbitrada em constituição de renda, não poderá o respectivo capital exceder
aquele limite. Entretanto, por acordo especial com o transportador, poderá o
viajante fixar em mais o limite de responsabilidade. (2) No transporte de
mercadorias, ou de bagagem despachada, limita-se a responsabilidade do
transportador à quantia de duzentos e cinquenta francos por quilograma, salvo
declaração especial de 'interesse na entrega', feita pelo expedidor no momento
de confiar ao transportador os volumes, e mediante o pagamento de uma taxa
suplementar eventual. Neste caso, fica o transportador obrigado a pagar até a
importância da quantia declarada, salvo se provar ser esta superior ao
interesse real que o expedidor tinha entrega. (3) Quanto aos objetos que o
viajante conserve sob os guarda, limita-se a cinco mil francos por viajante a
responsabilidade do transportador. (4) As quantias acima indicadas
consideram-se referentes ao franco francês, constituído de sessenta e cinco e
meio miligramas do ouro, ao título de novecentos milésimos de mental fino. Elas
se poderão converter, em números redondos na moeda nacional de cada país".
RE
636331/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 25.5.2017. (RE-636331)
A) o
valor da indenização por danos morais a que faz jus o consumidor deve ser
fixado, considerando-se apenas o peso da bagagem despachada, na forma das Convenções
de Varsóvia e Montreal.
O valor da indenização por danos materiais a que faz jus o consumidor deve ser
fixado, considerando-se apenas o peso da bagagem despachada, na forma das Convenções
de Varsóvia e Montreal.
Incorreta
letra “A".
B) o consumidor faz jus à indenização proporcional aos danos morais e materiais
que sofreu, com fundamento no Código de Defesa do Consumidor, inaplicável
qualquer disposição legal em sentido contrário.
O consumidor faz jus à indenização proporcional aos danos morais que sofreu,
com fundamento no Código de Defesa do Consumidor, sendo aplicável aos danos
materiais, as Convenções de Varsóvia e Montreal.
Incorreta
letra “C".
C) a indenização pelos danos materiais sofridos não é irrestrita, é limitada ao
patamar máximo fixado por normas e tratados internacionais de que é signatário
o Brasil, afastando-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor no
caso.
A indenização pelos danos materiais sofridos não é irrestrita, é limitada ao
patamar máximo fixado por normas e tratados internacionais de que é signatário
o Brasil, afastando-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor no
caso.
Correta letra
“C". Gabarito da questão.
D) o consumidor não faz jus ao pagamento de qualquer indenização, visto que o
extravio de bagagem é risco inerente ao transporte internacional, como
estabelecem as normas e tratados internacionais limitadores da responsabilidade
das transportadoras aéreas de passageiros.
O consumidor
faz jus à indenização por danos materiais, limitados aos valores previstos nas
Convenções de Varsóvia e Montreal, e à indenização por danos morais.
Incorreta
letra “D".
E) o consumidor faz jus apenas ao pagamento de indenização por danos materiais
proporcionais ao agravo sofrido, visto que a indenização por danos morais é
expressamente afastada por tratados internacionais limitadores da
responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as
Convenções de Varsóvia e Montreal.
O consumidor faz jus apenas ao pagamento de indenização por danos morais
proporcionais ao agravo sofrido, e indenização por danos materiais conforme
estabelecido pelas Convenções de Varsóvia e Montreal.
Incorreta
letra “E".
Resposta: C
Gabarito do Professor letra C.
Complementando:
Qual é o prazo prescricional da ação de responsabilidade civil no caso de acidente aéreo em voo doméstico?
Resposta: 5 anos, segundo entendimento do STJ, aplicando-se o CDC.
O prazo prescricional nas ações de responsabilidade civil por acidente aéreo nacional é de 5 anos, com base no Código de Defesa do Consumidor.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.281.090-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 7/2/2012.
Qual é o prazo prescricional da ação de responsabilidade civil no caso de acidente aéreo em voo internacional?
O prazo prescricional será de 2 anos, com base no art. 29 da Convenção de Varsóvia (Decreto nº 20.704/1931).
Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor.
STF. Plenário. RE 636331/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes e ARE 766618/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 25/05/2017 (repercussão geral) (Info 866).
Fonte: Dizer o Direito