Requer o examinador, através do presente estudo de caso, o conhecimento do candidato acerca do instituto da responsabilidade civil, importante tema disciplinado nos artigos 927 e seguintes do Código Civil. Senão vejamos:
João, devidamente habilitado para dirigir, conduzia veículo de sua propriedade com cautela e diligência, quando foi surpreendido por ônibus em alta velocidade na contramão. Em rápida manobra, João conseguiu evitar uma colisão frontal, desviando seu automóvel para cima da calçada, onde atropelou Lucas, causando-lhe graves lesões físicas.
Sobre os fatos descritos, assinale a afirmativa
CORRETA.
Inicialmente, antes de avaliarmos as assertivas a seguir, é importante a plena compreensão da situação retratada. Percebamos que o personagem João agiu em claro estado de necessidade, porquanto, que consiste na ofensa do direito alheio (deterioração ou destruição de coisa de outrem ou lesão à pessoa de terceiro) para remover perigo iminente, quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário e quando não exceder os limites do indispensável para a remoção do perigo.
Assim, feita essa primeira análise, passemos às alternativas:
A) João, por ter agido em estado de necessidade, não será obrigado a indenizar o dano causado a Lucas, cuja indenização será devida pela empresa de ônibus.
Assertiva incorreta.
B) João, por não ter agido no estrito cumprimento de dever legal, será obrigado a indenizar o dano causado a Lucas.
Assertiva incorreta.
C) João, embora agindo em estado de necessidade, será obrigado a indenizar o dano causado a Lucas, mas terá ação de regresso contra a empresa de ônibus.
Ora, a situação retratada no problema, conforme previamente observado, retrata a ação de João em razão de estado de necessidade. Ademais, conforme prevê o art. 188. do Código Civil, tal ato não constitui ato ilícito:
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.
Esse ato, a priori, seria ilícito, mas não o é, pois é justificado pela lei desde
que sua prática seja absolutamente necessária para a remoção do perigo (v. Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, 9. ed.,
Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 297). E aqui, importante registrar que, embora não seja um ato ilícito, a previsão no Código Civil, no caso sub judice, é a de que, a pessoa lesada, quando não for culpada do perigo, terá direito à indenização do prejuízo que sofreu, a ser pago pelo autor do dano, tendo este último direito de regresso em face do terceiro que deu causa ao acidente. É o que dispõem os artigos 929 e 930, ambos do CC:
Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.
Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.
Parágrafo único. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano (art. 188, inciso I).
Para fins de complementação, importante registrar que dispõe o art. 65 do CPP, “Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade", sendo esta uma das exceções ao princípio da independência das esferas civil e penal. Senão vejamos o os seguintes julgados:
“Acidente de trânsito. Estado de necessidade. O estado de necessidade exclui a ilicitude do ato, mas não o dever de indenizar. Conforme determina o inciso II do art. 188 do Código Civil, não se considera ilícita a conduta de quem danifica bem alheio para remover perigo iminente. Porém, nos termos dos arts. 929 e 930, ao lesado assiste o direito de obter indenização do autor do dano, que deve buscar a via regressiva contra o causador do perigo" (TJSP, Recurso Inominado 011112, 2ª Turma Cível do Colégio Recursal, Rel. Juiz Ronnie Herbert Barros Soares, j. em 9-6-2008). “Acidente de veículo. Reparação de danos. Alegação de exclusão de responsabilidade por fato de terceiro. Não reconhecimento. É de obrigação do causador do dano indenizar diretamente o prejuízo, ficando com ação regressiva contra o terceiro que considera culpado, nos termos dos arts. 929 e 930 do Código Civil" (TJSP, Apelação sem Revisão 1.091.696-0, 26ª Câm., Rel. Des. Renato Sartorelli, j. em 31-3-2008). “Execução. Acidente de trânsito. Dano contra as defensas metálicas. Alegação de estado de necessidade. Irrelevância. Obrigação de indenizar. O alegado estado de necessidade que culminou no choque do veículo contra as defensas da rodovia para evitar acidente mais grave exclui apenas o ilícito e não a responsabilidade" (TJSP, Apelação sem Revisão 987.504-0, 35ª Câm., Rel. Des. José Malerbi, j. em 1º-10-2007).
Assertiva CORRETA.
D) João, por ter agido em decorrência de fato de terceiro, não será obrigado a indenizar o dano causado a Lucas, cuja indenização será devida pela empresa de ônibus.
Assertiva incorreta.
E) João, ao desviar deliberadamente o carro, será obrigado a indenizar o dano causado, e não terá ação de regresso contra a empresa de ônibus.
Assertiva incorreta.
Gabarito do Professor: C
Bibliografia:
SILVA, Regina Beatriz Tavares. — 8. ed. Código Civil Comentado – São Paulo : Saraiva, 2012