Requer o examinador, na presente questão, abordar do candidato o conhecimento acerca do instituto conhecido como bem de família voluntário, previsto nos artigos 1.711 e seguintes do Código Civil. Entretanto, antes de adentrarmos ao tema do bem de família voluntário, importante se faz compreender as diferenças entre o bem de família voluntário e o legal. Senão vejamos:
O bem de família legal foi regulamentado pela Lei no 8.009/1990, que traz regras
voltadas à sua efetivação, prevendo em seu art. 1o
, caput:
Art. 1o O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária
ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais
ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo
nas hipóteses previstas nesta lei.
Dessa forma, diante da relevância do instituto para manutenção e proteção da família e da pessoa humana, as exceções quanto à impenhorabilidade do bem de família legal mencionadas pelo art. 1o
, caput, estão previstas, taxativamente, no art. 3o da
Lei no 8.009/1990:
Art. 3o A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista
ou de outra natureza, salvo se movido:
I – em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;
II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos
créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo
contrato;
III – pelo credor de pensão alimentícia;
IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas
e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido
como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para
execução de sentença penal condenatória a ressarcimento,
indenização ou perdimento de bens;
VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em
contrato de locação. (Incluído pela Lei no 8.245, de 1991)
Assim, o bem de família involuntário (legal) goza de proteção como decorrência da
lei, ou seja, independe de qualquer ato jurídico para sua existência, enquanto o voluntário depende de ato de vontade do instituidor.
A aferição do preenchimento das condições do bem de família legal compete exclusivamente ao juiz, enquanto a do bem de família voluntário, ao registrador de imóveis.
No bem de família legal, seus efeitos operam-se de imediato, pelo simples fato de
o imóvel servir como residência da família, enquanto no voluntário somente após registro do título constitutivo no respectivo Registro Imobiliário.
No legal, não há limite de valor do único imóvel residencial, enquanto no voluntário o bem não pode exceder 1/3 do patrimônio líquido ao tempo da instituição.
O legal não se extingue com a dissolução da sociedade conjugal, enquanto o voluntário sim.
O legal gera a impenhorabilidade do bem, enquanto o voluntário além da impenhorabilidade gera a inalienabilidade desde que prevaleça a finalidade do bem de família.
Dito isto, vejamos a previsão do Código Civil, especificamente no que concerne aos bem de família voluntário:
SUBTÍTULO IV
Do Bem de Família
Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.
Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada.
Art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.
Art. 1.713. Os valores mobiliários, destinados aos fins previstos no artigo antecedente, não poderão exceder o valor do prédio instituído em bem de família, à época de sua instituição.
§ 1º Deverão os valores mobiliários ser devidamente individualizados no instrumento de instituição do bem de família.
§ 2º Se se tratar de títulos nominativos, a sua instituição como bem de família deverá constar dos respectivos livros de registro.
§ 3º O instituidor poderá determinar que a administração dos valores mobiliários seja confiada a instituição financeira, bem como disciplinar a forma de pagamento da respectiva renda aos beneficiários, caso em que a responsabilidade dos administradores obedecerá às regras do contrato de depósito.
Art. 1.714. O bem de família, quer instituído pelos cônjuges ou por terceiro, constitui-se pelo registro de seu título no Registro de Imóveis.
Art. 1.715. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio.
Parágrafo único. No caso de execução pelas dívidas referidas neste artigo, o saldo existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em títulos da dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz.
Art. 1.716. A isenção de que trata o artigo antecedente durará enquanto viver um dos cônjuges, ou, na falta destes, até que os filhos completem a maioridade.
Art. 1.717. O prédio e os valores mobiliários, constituídos como bem da família, não podem ter destino diverso do previsto no
art. 1.712 ou serem alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público.
Art. 1.718. Qualquer forma de liquidação da entidade administradora, a que se refere o
§ 3 o do art. 1.713 , não atingirá os valores a ela confiados, ordenando o juiz a sua transferência para outra instituição semelhante, obedecendo-se, no caso de falência, ao disposto sobre pedido de restituição.
Art. 1.719. Comprovada a impossibilidade da manutenção do bem de família nas condições em que foi instituído, poderá o juiz, a requerimento dos interessados, extingui-lo ou autorizar a sub-rogação dos bens que o constituem em outros, ouvidos o instituidor e o Ministério Público.
Art. 1.720. Salvo disposição em contrário do ato de instituição, a administração do bem de família compete a ambos os cônjuges, resolvendo o juiz em caso de divergência.
Parágrafo único. Com o falecimento de ambos os cônjuges, a administração passará ao filho mais velho, se for maior, e, do contrário, a seu tutor.
Art. 1.721. A dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família.
Parágrafo único. Dissolvida a sociedade conjugal pela morte de um dos cônjuges, o sobrevivente poderá pedir a extinção do bem de família, se for o único bem do casal.
Feita essas considerações acerca do tema, passemos à análise da questão:
Sobre o instituto do bem de família voluntário, é correto dizer que:
A) comporta administração conforme a pura cognição do juiz.
Conforme visto no artigo 1.713, 3º, a administração dos valores mobiliários poderá ser confiada à instituição financeira escolhida pelo instituidor, depende de ato de vontade deste, e não conforme a pura cognição do juiz. Senão vejamos: "O instituidor poderá determinar que a administração dos valores mobiliários seja confiada a instituição financeira, bem como disciplinar a forma de pagamento da respectiva renda aos beneficiários, caso em que a responsabilidade dos administradores obedecerá às regras do contrato de depósito."
Repisa-se, por fim, que a aferição do preenchimento das condições do bem de família legal compete exclusivamente ao juiz, enquanto a do bem de família voluntário, ao registrador de imóveis.
Assertiva incorreta.
B)
pode incidir sobre investimentos mobiliários destinados a conservar imóvel para prover o sustento de grupo parental.
Consoante disciplinado no artigo 1.712, o bem de família poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.
Assertiva CORRETA.
C) pode incidir sobre bens imóveis ou móveis de grande valor.
Conforme previsão dos artigos 1.711 e seguintes do Código Civil, podem os cônjuges, a entidade familiar ou o terceiro, observado o disposto em lei, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse 1/3 (um terço) do seu patrimônio líquido.
Ademais, o bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.
Ora, perceba que o bem deverá, necessariamente, ser um prédio residencial, isto é, um imóvel urbano ou rural, e poderá abranger bens móveis, não sendo este último, entretanto, uma modalidade independente permitida em lei. Assim, não pode o instituidor optar pela incidência em bens imóveis ou móveis, mas tão somente pelos bens imóveis e móveis, contanto que este não ultrapasse o valor do bem imóvel.
Quanto aos valores dos bens, ressalte-se que estes podem adquirir qualquer valor, desde que respeitado os limites legais. A saber, o somatório entre o valor do imóvel e dos bens mobiliários afetados como bem de família não pode superar 1/3 (um terço) do patrimônio líquido do
instituidor, no momento da instituição. Entretanto, repisa-se, quanto aos valores mobiliários, adota o legislador como teto o valor do prédio instituído como bem de família, independente de ter atingido o valor de um terço do patrimônio líquido. Doutrinariamente, argumenta-se que se os valores mobiliários ultrapassassem o valor do bem imóvel, desvirtuar-se-ia o instituto.
Assertiva incorreta.
D) acarreta isenção do IPTU cujo débito seja posterior à instituição.
Prevê o art. 1.715, que o bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio. Assim, em sendo o IPTU - Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, tributo relativo ao prédio, não há que se falar em isenção.
Assertiva incorreta.
E) pode ser instituído por terceiro, sem limitação de valor.
Assevera o artigo 1.711, que podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.
E em seu parágrafo único, que o terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada.
Verifica-se pois que, assim como os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, o bem de família poderá ser instituído por terceiro, igualmente. Obedecendo-se, portanto, a limitação imposta para a instituição do bem de família de não ultrapassar 1/3 do patrimônio líquido, quando da sua instituição.
Assertiva incorreta.
Gabarito do Professor: B
Bibliografia: