Para responder à questão, é preciso conhecer a
disciplina da desconsideração
da personalidade jurídica.
Tal instituto implica numa relativização do princípio da autonomia patrimonial do Direito Societário.
De acordo com referido princípio, os patrimônios
da sociedade e dos sócios e administradores que dela fazem parte são
independentes.
No entanto, o Direito brasileiro admite que, em
determinadas situações, essa dissociação patrimonial seja desconsiderada,
fazendo com que o patrimônio de um seja afetado pelas dívidas de outro.
Sobre o assunto, o art. 50 do Código Civil
dispõe que:
"Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo
desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento
da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo,
desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de
obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios
da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo,
desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar
credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência
de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:
I - cumprimento repetitivo pela sociedade de
obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;
II - transferência de ativos ou de passivos sem
efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante;
e
III - outros atos de descumprimento da autonomia
patrimonial.
§3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º
deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de
administradores à pessoa jurídica.
§ 4º A mera existência de grupo econômico sem
a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a
desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
§ 5º Não constitui desvio de finalidade a
mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica
específica da pessoa jurídica".
A teoria da desconsideração da personalidade
jurídica da sociedade para afetar o patrimônio dos sócios e administradores nas
situações citadas acima já existia no Direito brasileiro antes mesmo do Código
Civil de 2002, tendo sido trazida ainda na década de 60 pelo jurista Rubens
Requião.
Posteriormente, a doutrina e a jurisprudência
começaram a admitir a sua aplicação de modo inverso, ou
seja, condenando as sociedades pelas dívidas dos sócios e administradores.
Até que, com o advento do CPC/2015, a desconsideração INVERSA da
personalidade jurídica foi positivada:
"Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade
jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe
couber intervir no processo.
§ 1º
O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos
previstos em lei.
§ 2º
Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da
personalidade jurídica".
Pois bem, sobre o tema, deve-se analisar as
alternativas e assinalar a que está incorreta:
A) Como visto
acima, a redação do art. 50 não trata especificamente sobre o entendimento
relacionado ao tema da assertiva, deixando, então, à cargo da
jurisprudência.
Nesse sentido, verifica-se que o entendimento do
STJ ainda não está sedimentado sobre o assunto.
Em momentos anteriores o STJ entendeu que "para os efeitos da desconsideração da personalidade
jurídica, não há fazer distinção entre os sócios da sociedade limitada. Sejam
eles gerentes, administradores ou quotistas minoritários, todos serão
alcançados pela referida desconsideração" (STJ, REsp:1.250.582/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado
em 12/4/2016).
No entanto, considerando o entendimento mais
recente (contemporâneo à aplicação da prova - 2017), o STJ assim manifestou:
“(...)Sem ser preponderante, a jurisprudência mais recente do
E.STJ vem entendendo que o sócio minoritário, que não tem poderes de gestão,
nem pratica ou participa da prática de qualquer dos atos previstos no artigo
50, do Código Civil, não pode ser responsabilizado ilimitada e/ou
solidariamente por dívidas da sociedade, em razão da desconsideração da sua
personalidade jurídica. (...)."
(STJ, REsp: 1600567/DF. Relator Ministro Moura Ribeiro, Data de Publicação:
22/11/2017)
Assim, considerando o entendimento acima, a
alternativa foi considerada correta.
B) Como visto
na explicação acima, de fato, a desconsideração da personalidade jurídica tem o
objetivo de desconsiderar "momentaneamente" a autonomia patrimonial
entre os patrimônios da sociedade e de seus sócios e administradores, com o fim
de corrigir eventuais abusos de personalidade jurídica perpetrados.
Nesse sentido:
"A desconsideração da pessoa jurídica não atinge a validade
do ato constitutivo, mas importa em sua ineficácia episódica". (Fábio Ulhoa Coelho, Manual de Direito Comercial. São
Paulo: Editora dos Tribunais, 2016).
Assim, não se fala em dissolução da
personalidade jurídica, logo, a afirmativa está correta.
C) A assertiva
está correta, em consonância com o Enunciado nº 229 do CJF (III Jornada de Direito
Civil):
"A
responsabilidade ilimitada dos sócios pelas deliberações infringentes da lei ou
do contrato torna desnecessária a desconsideração da personalidade jurídica,
por não constituir a autonomia patrimonial da pessoa jurídica escudo para a
responsabilização pessoal e direta".
D) De fato, tal
como se vê na redação do art. 50, a desconsideração da personalidade jurídica
tem lugar quando se verifica o abuso da personalidade jurídica, o qual pode se dar de duas formas:
(i) desvio de personalidade, ou (ii) confusão patrimonial.
Assim sendo, a assertiva foi considerada correta.
No entanto, não se pode deixar de notar o equívoco da banca ao considerar que o
Código Civil adota a concepção objetivista da desconsideração da
personalidade jurídica (o que será explicado abaixo). Dessa forma, a utilização
deste termo torna a assertiva incorreta.
E) A desconsideração da
personalidade jurídica é vista sob dois vieses:
-->
Objetivo: a
desconsideração da personalidade jurídica independe da demonstração de fraude,
de abuso da personalidade jurídica; basta que se verifique a ocorrência do
resultado. De acordo com a teoria menor da desconsideração da
personalidade jurídica, os sócios e administradores podem ser pessoalmente
responsabilizados por todo e qualquer ato desde que na prática se verifique
prejuízo ao credor. É o caso do art. 28 do CDC:
"Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a
personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver
abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou
violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será
efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou
inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
§ 1° (Vetado).
§ 2° As sociedades integrantes dos grupos
societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis
pelas obrigações decorrentes deste código.
§ 3° As sociedades consorciadas são solidariamente
responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
§ 4° As sociedades coligadas só responderão por
culpa.
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa
jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores".
--> Subjetivo: a desconsideração
da personalidade jurídica é centrada no ato praticado pelos sócios e
administradores, isto é, ele somente ensejará a desconsideração de for um ato
fraudulento, um ato que se constitua em verdadeiro abuso do direito. Trata-se
da teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, que foi adotado pelo
Código Civil no art. 50. Aqui, não se foca nos terceiros prejudicados, mas no
ato em si.
Em outras palavras:
"Observa-se que a teoria da desconsideração da personalidade
jurídica em sede de relações consumeristas é mais abrangente e menos
rigorosa, como resultado do próprio cunho protetivo daquela codificação, o
que torna imperioso fazer uma diferenciação entre ambas as espécies
do instituto em comento. Nesse sentido, convém destacar que para a Teoria
Maior da desconsideração da personalidade jurídica, aquela abraçada pelo
Código Civil e defendida por Rubens Requião, para se ignorar a autonomia
patrimonial das sociedades empresárias é necessário que se demonstre a
fraude ou abuso do direito:
É de
nítida concepção subjetivista a teoria esposada por Rubens
Requião quando se trata da verificação da fraude, que deve ser vista pelo
seu aspecto anímico, abrindo exceção apenas às hipóteses de abuso do
direito, que se configuraria independentemente do propósito de prejudicar
outrem. Toma o doutrinador como ponto de partida a ideia de que a pessoa
jurídica é uma realidade que se passa no mundo jurídico, e não na “vida
sensível", que tem na sua concessão, como uma das principais consequências,
a autonomia patrimonial. Nesse contexto, a desconsideração nega o
absolutismo do direito de personalidade jurídica, posto que a teoria é
vista como declaração de sua ineficácia para certos efeitos, permanecendo,
contudo, “incólume para outros fins legítimos". (RODRIGUES FILHO,
2016. p. 63).
Noutro
passo, para Teoria Menor (Código de Defesa do Consumidor) basta a
demonstração de insuficiência patrimonial da sociedade, quando, de alguma
forma, a personalidade jurídica for obstáculo ao ressarcimento dos
prejuízos causados aos consumidores". (REZENDE, Elcio Nakur; OLIVEIRA,
Marcelle Mariá Silva de. A fraude como elemento subjetivo essencial à
aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica das
“holdings" familiares. Scientia Iuris, Londrina, v. 23, n. 2, p. 110-126,
jul. 2019).
Ou seja, o Código Civil adotou a
teoria subjetivista ou teoria maior da
desconsideração da personalidade jurídica, portanto, a assertiva está incorreta tanto por afirmar que o CC adotou a teoria
menor, quanto por afirmar que o CC adotou a teoria objetiva.
Assim, temos duas afirmativas incorretas: "D" e
"E".
Gabarito da Banca: Letra E.
Gabarito do professor: duas incorretas, portanto deveria ser Anulada.