Trata a presente questão sobre importante instituto no ordenamento jurídico brasileiro, a responsabilidade civil, regulamentada nos artigos 927 e seguintes do Código Civil e jurisprudência firmada nos tribunais superiores. Senão vejamos:
Acerca da responsabilidade civil de indenizar e suas particularidades, é correto afirmar que
A) a apuração dos fatos no juízo criminal não é hipótese hábil a impedir o curso da prescrição civil.
O Código Civil, em seu artigo 200, assim dispõe:
Art. 200: Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.
A apuração de questão prejudicial (conceito de direito material) a ser verificada no juízo criminal, se a ação dela se originar, é causa impeditiva do curso da prescrição, que só começará a correr após o trânsito em julgado da sentença definitiva, à qual se confere executoriedade. Trata-se da prescrição da execução da sentença penal (pretensão executiva).
Assertiva incorreta.
B) a indenização é apurada de acordo com a extensão do dano, não se considerando a gravidade da culpa e a participação da vítima no evento.
Estabelece o artigo 944 e 945 do Código Civil:
Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.
Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano."
Sobre o artigo 944, para fins de ampla compreensão do candidato acerca instituto da responsabilidade civil, colaciono esclarecimento que se segue:
"O parágrafo único do artigo 944 adota a teoria da gradação da culpa, a influenciar o quantum indenizatório, mas somente possibilita sua diminuição diante de desproporção entre a gravidade da culpa e o dano. Esse parágrafo é inaplicável nas hipóteses de responsabilidade objetiva, em que não há apuração da culpa e, portanto, descabe a diminuição da indenização consoante o critério aqui estabelecido. Desse modo esse parágrafo é aplicável exclusivamente à responsabilidade civil subjetiva (cf. Washington de Barros Monteiro, Carlos Alberto Dabus Maluf e Regina Beatriz Tavares da Silva, Curso de direito civil, 37. ed., São Paulo, Saraiva, 2010, v. 5).
O critério para a fixação do dano material é o cálculo de tudo aquilo que o lesado deixou de lucrar e do que efetivamente perdeu. Já que o evento danoso interrompe a sucessão normal dos fatos, a reparação de danos deve provocar um novo estado de coisas que se aproxime tanto quanto possível da situação frustrada, ou seja, daquela situação que, segundo a experiência humana, em caráter imaginário, seria a existente se não tivesse ocorrido o dano (v. José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1979, v. 2, p. 407).
Vê-se, assim, que o critério da extensão do dano aplica-se perfeitamente à reparação do dano material, que tem caráter ressarcitório.
No entanto, na reparação do dano moral não há ressarcimento, já que é praticamente impossível restaurar o bem lesado, que, via de regra, tem caráter imaterial. O dano moral resulta, na maior parte das vezes, da violação a um direito da personalidade: vida, integridade física, honra, liberdade etc. (v. Carlos Alberto Bittar, Os direitos da personalidade, 5. ed. atual. por Eduardo Carlos Bianca Bittar, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2001; Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, 3. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 57- 65; Yussef Said Cahali, Dano moral, 2. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 42; Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reparação civil na separação e no divórcio, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 148-9). O dano moral não é mensurável da mesma forma que o é o dano material. Por conseguinte, não basta estipular que a reparação mede-se pela extensão do dano.
Os dois critérios que devem ser utilizados para a fixação do dano moral são a compensação ao lesado e o desestímulo ao lesante. Inserem-se nesse contexto fatores subjetivos e objetivos, relacionados às pessoas envolvidas, como a análise do grau da culpa do lesante, de eventual participação do lesado no evento danoso, da situação econômica das partes e da proporcionalidade ao proveito obtido com o ilícito (v. Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, cit., p. 221).
A multiplicação dos danos resultante da vida moderna, em que os atritos de interesses são cada vez mais intensos, leva o ser mais egoísta a imaginar que um dia poderá experimentar o mesmo infortúnio, do que surge a reação social contra a ação lesiva, de modo que a responsabilidade civil tornou-se uma concepção social, quando antes tinha caráter individual (v. José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1979, v. 1, p. 13). É precisamente essa natureza sociológica da responsabilidade civil que torna relevante a presença do caráter de desestímulo na indenização por dano moral. Interessa ao direito e ao cumprimento de sua finalidade que o relacionamento entre os entes que convivem em sociedade se mantenha dentro de padrões de equilíbrio e respeito mútuo.
O critério na fixação do quantum indenizatório deve obedecer à proporcionalidade entre o mal e aquilo que pode aplacá-lo, levando-se em conta o efeito, que será a prevenção, ou desestímulo. Em suma, a reparação do dano moral deve ter em vista possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória e, de outro lado, exercer função de desestímulo a novas práticas lesivas, de modo a “inibir comportamentos antissociais do lesante, ou de qualquer outro membro da sociedade", traduzindo-se em “montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo" (cf. Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, cit., p. 247 e 233; v., também, Yussef Said Cahali, Dano moral, cit., p. 33-42; Rui Stoco, Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial, 4. ed., Revista dos Tribunais, 1999, p. 762; e Antonio Jeová Santos, Dano moral indenizável, 4. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, p. 159-65; v. acórdãos em JTJ, 199/59; RT, 742/320).
Ao juiz devem ser conferidos amplos poderes, tanto na definição da forma como da extensão da reparação cabível, mas certos parâmetros devem servir-lhe de norte firme e seguro, sendo estabelecidos em lei, inclusive para que se evite, definitivamente, o estabelecimento de indenizações simbólicas, que nada compensam à vítima e somente servem de estímulo ao agressor.
Note-se que os critérios sugeridos têm caráter genérico e abrangente, a serem aplicados conforme as circunstâncias do caso concreto, a exemplo do Código Civil português (arts. 494 e 496) e do Código Civil italiano (arts. 2.056, 2.057, 2.058, 2.059, 1.223, 1.226 e 1.227).
Saliente-se, ainda, que este artigo, ao adotar a gradação da culpa do agente no cálculo da indenização, confere apoio legal ao caráter punitivo da reparação de danos. A mudança operada no novo Código, nesse sentido, é significativa, já que no Código Civil de 1916 adotava-se somente a teoria da extensão do dano, como critério para a fixação da indenização cabível em caso de prejuízo material. Assim, o quantum indenizatório independia da existência de dolo, vontade deliberada de causar o prejuízo, ou de culpa no sentido estrito — negligência, imprudência ou imperícia." (SILVA, Regina Beatriz Tavares. — 8. ed. Código Civil Comentado – São Paulo : Saraiva, 2012.)
Assertiva incorreta.
C) a prisão por queixa ou denúncia falsa não gera pretensão indenizatória ao ofendido, ressalvadas as consequências criminais ao denunciante.
Prevê o artigo 954 do CC:
Art. 954. A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e se este não puder provar prejuízo, tem aplicação o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.
Parágrafo único. Consideram-se ofensivos da liberdade pessoal:
I - o cárcere privado;
II - a prisão por queixa ou denúncia falsa e de má-fé;
III - a prisão ilegal.
Assertiva incorreta.
D) a indenização por injúria, difamação ou calúnia poderá ser fixada tomando-se por critério a equidade.
Prescreve o Código Civil, em seu artigo 953:
Art. 953. A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido.
Parágrafo único. Se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso.
Assertiva CORRETA.
E) a autoria e a materialidade podem ser rediscutidas no juízo cível, ainda que já decididas no juízo criminal, em razão da independência de responsabilidades em cada uma das esferas.
Dispõe o artigo 935 do CC:
Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.
Gabarito do Professor: D
Bibliografia:
SILVA, Regina Beatriz Tavares. — 8. ed. Código Civil Comentado – São Paulo : Saraiva, 2012.